Oásis verde entre muros

Cidade Universitária é um dos poucos lugares em São Paulo onde a natureza supera o concreto

A cidade universitária é um espaço sossegado em São Paulo (Foto: Etienne Faivre)

Por Ana Helena Corradini e Etienne Faivre

“Não tem como explicar… Nem parece que a gente está em São Paulo”. Essa é a primeira impressão de Alex Sousa, estudante de Filosofia (FFLCH), em relação ao Centro de Práticas Esportivas da USP (CEPE). Um ponto verde no meio da majoritariamente cinza São Paulo, a paisagem da Cidade Universitária, recheada de árvores e jardins, parece destoar da caótica metrópole.

Entre trânsito, constante movimentação e edifícios, o dia a dia do paulistano contribui para estressar o sistema nervoso. “O ser humano não nasceu para viver em situações diferentes da natureza. Isso já está no nosso DNA, na nossa constituição”, pontua o professor do Instituto de Psicologia, Esdras Vasconcellos. Não à toa, aos fins de semana as ruas do campus são ocupadas por ciclistas e corredores em busca de um ambiente mais tranquilo.

Tranquilidade essa que nem sempre faz parte da realidade de quem convive diariamente na universidade. Na rotina agitada do estudante e de quem trabalha no campus, os elementos da paisagem cedem espaço às preocupações. Parte desse comportamento pode ser atribuída às próprias estruturas dos prédios, que, segundo o professor, “não são pensadas do ponto de vista ecológico, mas funcional”. Por outro lado, “decisão pessoal e consciência” são imprescindíveis para aliviar o bombardeamento de pensamentos a que estamos sujeitos.

Fitotério (IB) conta com quase mil espécies de plantas de todo o mundo (Foto: Etienne Faivre)

Meditação

Observar o funcionamento da mente, procurando direcioná-la para o aqui e agora, é ponto central do mindfulness ㅡ também conhecido como consciência ou atenção plena ㅡ, tão em voga ultimamente. A meditação, diz Vasconcellos, é uma postura mental que exige treino e, ao contrário do que costuma ser difundido, não obriga que o praticante permaneça imóvel.

Nesse sentido, ioga e artes marciais são boas opções para quem procura relaxar, mas qualquer outro esporte praticado em contato com a natureza, e até situações despretensiosas ㅡ como uma caminhada ao ponto de ônibus ㅡ, quando focamos nos detalhes ao redor, podem produzir resultados semelhantes.

Cursando o último ano de Gestão de Políticas Públicas (EACH), esta é a primeira vez que Naara Canan frequenta o CEPE, por conta da disciplina disciplina de Esporte na Graduação. Entre a aula e o horário do almoço, a estudante aproveita para colocar a leitura em dia num dos banquinhos espalhados na sombra de uma árvore. “Me sinto muito bem. É um momento de relaxar da correria da graduação”, conta. Além disso, Naara afirma ter notado melhoras na respiração desde que começou a prática.

Jardins  secretos da USP

Além do CEPE, o fitotério, ou coleção de plantas, do Instituto de Biociência (IB), funciona como uma instalação didática e é uma opção para quem quer ficar mais próximo da natureza. Com cerca de mil espécies diferentes do mundo inteiro, é aberto a todos em horário comercial. Também há um jardim japonês doado pelo então príncipe e atual imperador do Japão, Akihito.

Já no Instituto de Matemática e Estatística, foi um grupo de professores que se reuniu para arborizar o local. Recentemente, as árvores receberam plaquinhas com identificações e QR codes, para acesso a mais informações.

A Praça do Relógio também conserva peculiaridades. Há cerca de 25 anos, o professor de Paisagismo Silvio Soares Macedo (FAU) elaborou projeto, junto com pesquisadores do IB, para que cada compartimento da praça representasse um bioma brasileiro. Foram plantadas espécies típicas da Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Paraná. Responsável por uma das áreas verdes da USP, o professor Gregório Ceccantini lamenta que o local não recebe manutenção adequada.

Com as reformulações na prefeitura da cidade universitária, a substituição de jardineiros da própria USP por empresas terceirizadas, que muitas vezes não têm conhecimento da história e do porquê de certas vegetações, traz danos à pesquisa. Ceccantini conta ter visto flores que eram materiais de aulas serem arrancadas e substituídas por grama, porque a manutenção é mais simples e barata. “Por isso, no nosso fitotério mantemos as plantas que precisamos. Antigamente a gente usava a vegetação do campus, hoje não usa mais”.

Mesmo nas áreas verdes de ruas e estacionamentos, a manutenção é precária. O professor diz já chegou a deslocar um técnico responsável por uma casa de vegetação para ir podar grama em um caminho: “Isso está muito errado”.

Procurada pelo Jornal do Campus, a Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) afirmou que não está ligada às ações envolvendo a jardinagem do campus, mas se mantém “disponível ao diálogo e a articulação por meio de projetos que possibilitem a integração da gestão ambiental ampla na Universidade”.

Quanto ao projeto para a Praça do Relógio encabeçado pelo professor Macedo, o órgão afirmou que “não está sob a gestão da SGA, mas verificaremos qual o seu conteúdo e abrangência”.

Os benefícios de um campus arborizado

São muitas as vantagens oferecidas pela arborização da cidade, como a redução dos ruídos da marginal, a retenção de poluentes pelas folhas das árvores, maior umidade relativa e até mesmo as sombras produzidas pelas árvores, que tornam o local mais agradável.

Apesar de ser um ambiente urbano, com ruas e dominado por vegetação chamada antrópica ㅡ resultado da arborização e jardinagem ㅡ, o campus ainda conserva alguma vegetação nativa. Entre as unidades de Biologia e Geologia, na rua do Matão, uma amostra da Mata Atlântica conta até com uma nascente de rio. Essa vegetação, entretanto, não pode ser considerada nativa primária: “É uma vegetação secundária, resultado de uma antiga fazenda de café que foi abandonada”, explica o professor Gregório Ceccantini, responsável por uma das áreas verdes da USP. No meio desta pequena floresta atlântica, ainda é possível encontrar pés de café e espécies exóticas, como eucaliptos e figueiras.

As áreas mais altas do campus são ocupadas por um cenário parecido com o do Cerrado. Algumas espécies típicas desta vegetação que estão sob ameaça são conservadas nos fundos da Biologia, o que deu ao local o título de reserva municipal. Mas esse Cerrado provavelmente surgiu após constantes queimadas e Ceccantini conta que, “com o tempo, com o ambiente atual e com o grau de proteção que damos às árvores”, há chances de essas áreas se reverterem em floresta.