USP acumula gasto de R$ 5,7 bilhões com aposentados e pensionistas em seis anos

Dinheiro destinado à Previdência Social reduz o investimento da universidade em atividades educacionais; ação viola a Constituição paulista

Gastos exorbitantes em aposentadoria são reflexos do modelo orçamentário da Previdência Social. Foto: USP Imagens

Por Caio Nascimento

As universidades públicas brasileiras atravessam uma forte crise financeira. Neste ano, a USP arrecadou 500 milhões a menos do que em 2013, e teve um aumento de 74,3% nos gastos com bolsas e auxílios em relação ao mesmo período, com valores corrigidos pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA). Além disso, houve queda de 76% no investimento em graduação, pós-graduação, pesquisa e cultura e extensão em relação a 2013. Segundo o presidente da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e  ex-secretário adjunto de Economia e Planejamento do estado de São Paulo, Carlos Luque, as instituições estatais têm dificuldade em cortar gastos. Dessa maneira, na medida em que as receitas caem, as despesas muitas vezes se elevam.

As universidades públicas se mantêm com o repasse anual de 9,57% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do qual 5% vai para a USP. No entanto, o diretor de imprensa do Sintusp, Magno Carvalho, afirma que o poder público não cumpre com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), pois a porcentagem é calculada após retirada dos valores a Habitação. “O montante transferido para a USP é menor do que o esperado com a dedução do tributo. Essa prática é inconstitucional, pois não está prevista nas alíneas da LDO”, salienta.

Magno critica também o elevado gasto uspiano com as aposentadorias e pensões de funcionários inativos. A instituição recolhe todo mês a contribuição dos servidores (11% do salário) e complementa o montante com o valor que falta para arcar com os pagamentos. Assim, foram gastos R$ 5,7 bilhões de recursos do ICMS com aposentadorias entre 2013 e 2018. Só neste ano, a despesa está prevista em R$ 1 bilhão, que equivale a 20% orçamento. “Isso é ilegal. O repasse deveria ser, por lei, apenas para atividades e despesas de dentro da universidade, e não previdenciárias”, denuncia Magno.

A Constituição paulista prevê que 30% do orçamento vá para a educação. No entanto, o governo Alckmin só consegue atingir esse índice ao levar as aposentadorias em conta, o que implica em menos dinheiro para o ensino. A manobra foi incorporada à Legislação do estado em 2007 e denunciada pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, em junho do ano passado, ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O professor da FEA USP e especialista da Previdência Social de São Paulo (Spprev), Newton Conde, explica que o sistema não teria dinheiro em caixa para bancar os servidores inativos da Universidade se a autarquia não complementasse o valor, pois usa tudo que arrecada no mês para pagar a folha de benefícios.

Um novo modelo?

Segundo ele, uma resposta ao problema seria o governo estabelecer um regime de capitalização, mas isso envolveria um custo de transição inviável para as contas públicas. “Os atuais funcionários da USP teriam que começar a guardar dinheiro para seus benefícios futuros ao invés de pagar a alíquota de 11%. Assim, a instituição teria que ter uma quantia para completar a folha dos que já se aposentaram, mas não existe verba para isso”, explica.

Para a capitalização se tornar possível e a universidade parar de gastar com a previdência, analistas do Spprev estudam criar reservas com os royalties do petróleo que pagariam, no futuro, a aposentadoria dos servidores ativos. “Quando eles se aposentarem, não precisaríamos recolher o percentual do INSS para pagá-los, pois o Spprev já teria as quantias acumuladas em caixa. Essa medida permitiria entrarmos em regime de capitalização após uma geração de funcionários”, afirma Newton. Dessa forma, a USP não precisaria mais usar parte significativa do orçamento com inativos, e destinaria o montante para atividades educacionais, segundo o especialista.

Em 2013, ano em que a universidade entrou em crise orçamentária, a administração aderiu ao sistema opcional de previdência privada, administrada pela Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo (SP-Prevcom). Por meio dela, a USP recolhe do funcionário uma contribuição de até 7,5% da quantia superior ao salário limite do INSS (R$5.645,80). Assim, cria-se um fundo que garante a diferença entre a remuneração do funcionário e o teto pago pela Segurança Social. Caso o trabalhador possua uma remuneração abaixo deste valor, a universidade não cobra o percentual.

“Mensalidade não é solução”

Carlos Luque explica que o ensino pago possibilita a criação de reservas para investimentos em áreas prioritárias, evitando o risco de cortes em períodos de crise. No entanto, ele alerta que esta não é uma solução para a recessão da USP. “Se a universidade recebesse mensalidades, os ganhos aumentariam e o governo diminuiria o percentual do repasse. No final das contas, a receita se manteria inalterada”, explica. Dessa forma, a Constituição Federal, que proíbe a cobrança, teria que ser alterada para vincular as parcelas sem que houvesse perda de verbas estatais. Hoje, a legislação permite o pagamento apenas de cursos de pós-graduação latu sensu.

O especialista defende que o modelo de financiamento da Universidade de São Paulo deveria ser um tripé baseado no repasse de recursos públicos, mensalidades de acordo com a renda do aluno e a venda de serviços e produções científicas ao setor privado. Contudo, ele é contra a privatização. “Se ela fosse particular, estaria estruturada para financiar as atividades apenas por meio de mensalidades, e, portanto, a ênfase seria quase toda voltada para o ensino. Sendo pública, os objetivos são ensino, pesquisa e extensão”.

Consultor educacional com ênfase em gestão universitária, Carlos Monteiro afirma que a participação da iniciativa privada na educação pública não prejudica a qualidade da produção acadêmica. “Professores e cientistas empreendedores sabem como ‘vender’ seus projetos de pesquisa. Isso acontece no mundo todo”, diz.

Além disso, ele acredita que inovações criadas nas universidades públicas podem ser vendidas tanto para instituições privadas quanto estatais. “Se o cliente for do setor público, o pagamento não precisa ser, necessariamente, em dinheiro, mas via convênios, concessão de equipamentos”, defende.