1997, quando a USP foi a campo

Ex-alunas da USP relembram disputa pioneira no Campeonato Paulista de Futebol Feminino

Por Rafael Paiva

Time de futebol feminino da USP, em 1997 (Foto: Cecília Bastos / USP Imagem)

“Foi uma experiência que jamais achei que fosse ter na minha vida. Inesquecível”. A fala da ex-lateral esquerda Marisa Prado, 42 anos, especialista em farmacovigilância, reflete bem o que representou vestir o manto uspiano para as atletas, no Paulistana 97.

Organizada pela Sport Promotion, com o reconhecimento da Federação Paulista de Futebol (FPF), a competição reuniu clubes e universidades. Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Santos, Portuguesa, USP, Mackenzie e São Judas/Juventus disputaram o caneco, entre março e junho daquele ano.

Após 14 rodadas e as duas finalíssimas, disputadas contra o alvinegro praiano, o tricolor, das selecionáveis Sissi, Formiga e Kátia Cilene, levou o troféu para o Morumbi.

Apesar das medidas que visavam o equilíbrio entre as forças, como o fato do regulamento permitir somente três jogadoras acima dos 23 anos e da divisão de atletas da Seleção nas equipes, as disparidades eram muito grandes.

“Infelizmente, o time da USP era muito inferior aos demais. Não jogávamos em pé de igualdade, mesmo depois da ‘contratação’ de alguns reforços. Os outros times eram muito melhores”, comentou a ex-zagueira Fernanda Sadek, 42 anos, proprietária de um buffet infantil.

Trajetória Uspiana

Em virtude do bom futebol apresentado pela Seleção nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, com a quarta colocação, a modalidade ganhou repercussão no Brasil. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, os promotores do esporte encontraram a brecha para criarem diferentes campeonatos.

Antes do início do Paulistana, foi realizado o Torneio Início, disputado no Estádio do Ibirapuera. A USP caiu fora logo na primeira fase ao ser derrotada pelo Corinthians por 3 a 0. O resultado deixava claro que a equipe do Butantã não teria vida fácil no Campeonato Paulista. Sem contar que o conjunto são-paulino mostrou que não estava para brincadeira, conquistando o primeiro título daquele ano.

De acordo com Emílio Antônio Miranda, diretor-técnico do Cepeusp no período, o convite para a participação da Universidade na competição estadual partiu da Sport Promotion, que já tinha promovido alguns eventos do masculino na praça esportiva da Universidade.

O escrete uspiano foi montado, de um modo geral, com universitárias, jovens do Projeto Esporte Talento, intercambistas e representantes da Seleção. Somente as últimas, bancadas pela organização, recebiam salário.

Contra o Corinthians, no Torneio Início (Foto: Cecília Bastos / USP Imagem)

O contato entre jogadoras de escolaridade e origens tão distintas causou um estranhamento inicial. A barreira, no entanto, foi quebrada no decorrer dos treinos e competições, segundo as ex-universitárias entrevistadas pelo JC.

A oportunidade de conviver com pessoas com histórias totalmente diferentes da minha é a melhor herança que o futebol me deu”, relatou Marisa.

Engana-se quem pensa que os treinamentos eram diferenciados entre as novatas e as profissionais. Nas duas horas de ralação, entre às 12h e 14h, o treinador não pegava leve com ninguém nas atividades físicas e táticas.

“Nunca tinha treinado tanto na minha vida. Era puxado. Todo mundo treinava no mesmo nível. Era ótimo. Com cólica, sem cólica, cansaço ou não, era para participar. Tinha que fazer”, relembrou a ex-zagueira Cynthia Calia, 44 anos, arquiteta.

De acordo com a ex-volante Marianna Dixo, 43 anos, consultora ambiental, mesmo apresentando deficiências nos fundamentos, as atletas não poderiam deixar de se envolver nos exercícios. É claro que tinha coisa que não conseguia fazer, mas tinha que segurar a minha vergonha”.

Embora a força de vontade das jogadoras fosse clara e o entrosamento tenha melhorado bastante ao longo da competição, a USP ficou marcada pelas inúmeras goleadas sofridas e por ter permanecido na parte de baixo da tabela.

Entre as escolhidas para atuarem pela seleção uspiana, algumas nunca tinham sequer jogado futebol de campo. Eram oriundas, muitas vezes, do futsal. Devido às desproporções técnicas e financeiras frente aos clubes tradicionais, só restavam às universidades ganharem experiência e verem os grandes dispararem no campeonato.

“Nós tentávamos tirar as coisas boas. Nós perdemos de 9 a 1 para o São Paulo, mas tenho até hoje gravado a Sissi fazendo uma falta em mim. É como se a Marta fizesse em alguém na atualidade”, recorda Marianna.

A consultora ambiental Marianna Dixo, 43, ex-volante do time da USP (Foto: Rafael Paiva)

Aspectos do esporte

Mesmo com as críticas em relação às qualidades dos jogos e do baixo público na competição, a Bandeirantes, segundo dados da Revista Placar de maio de 1997, registrava em média 4 pontos de audiência.

Fato é que muitas das publicações da época, ao invés de focarem no quesito esportivo, abordavam tópicos relacionados à aparência das atletas ou questões alheias aos campos. Nessa fase, Susana Werner, atriz, atleta do Fluminense e até então namorada do jogador Ronaldo Fenômeno, e Milene Domingues, futebolista do Corinthians conhecida pelo recorde de embaixadinhas, tornaram-se bastante faladas.

Segundo as ex-alunas entrevistadas, nenhuma sofreu preconceito por jogar futebol. Quanto aos aspectos específicos do jogo feminino, Cynthia e Marianna defenderam a ideia de que, para ser uma atividade mais atrativa, sem tantos passes longos, os tamanhos do campo e da trave deveriam ser proporcionais às dimensões das mulheres.

No tocante à divulgação, a maioria das atletas defendeu a ideia de que pouca coisa mudou. Para elas, a modalidade continua marginalizada. “Mês passado, teve a Copa América de Futebol Feminino no Chile. O Brasil foi campeão e não ouvi nenhuma reportagem sobre o assunto. Muito menos passar na TV algum jogo. Nem a final!”, relatou Marisa.

A profissionalização esportiva não passou pelas cabeças das universitárias. Fernanda, Cynthia, Marisa e Marianna optaram pelo prosseguimento nos estudos.