Grupos autogeridos debatem saúde mental na universidade

Iniciativas de alunos nascem da falta de conhecimento sobre o tema; encontros presenciais e virtuais possibilitam ajuda mútua

Roda de Conversa do Coletivo Neurodivergente Nise da Silveira. Foto: Diego Andrade

Por Diego Andrade

Um tema considerado por muitos como negligenciado dentro da universidade, o debate sobre saúde mental vem ganhando força através de iniciativas de grupos autogeridos por alunos. É o caso do Coletivo Neurodivergente Nise da Silveira, grupo criado em 2016 na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e que funciona como uma rede de apoio para alunos que têm, por exemplo, depressão, bipolaridade, transtornos de ansiedade e pânico, entre muitos outros.

Além de rodas de conversa onde os estudantes compartilham as dificuldades e empecilhos enfrentados durante a graduação, o coletivo funciona também através de um grupo no Facebook, que conta com mais de 500 membros. Através dele, os alunos trocam suas experiências, pedem conselhos e postam dicas de atendimento psicológico de baixo custo ou gratuitos.

A mestranda em História Social Tonne de Andrade, que faz parte do coletivo, explica que, por possuir características muito próprias, o grupo encontra dificuldades para se reunir presencialmente, por isso a importância da rede social. “São situações do tipo ‘hoje eu não consegui sair de casa porque eu tive uma crise de pânico’.” Apesar disso, as poucas reuniões presenciais que realizam contam com cerca de 20 a 30 membros, um número que, para ela, pode ser considerado alto. “Eu tenho um pouquinho de experiência no movimento estudantil, então eu sei como é difícil fazer esse número de pessoas aparecer.”

A primeira reunião deste ano aconteceu na semana de recepção dos calouros, quando os alunos ingressantes falaram de seus receios e expectativas em relação à universidade, e os veteranos compartilharam suas vivências. “A gente conversou muito tempo sobre as experiências negativas que a gente já teve na universidade, não como uma forma de assustar ninguém, mas de dizer ‘olha, pode acontecer tal coisa, mas você vai sobreviver e tem outras pessoas aqui para te apoiar’”, conta Tonne.

Militância

Apesar de funcionar como um grupo de apoio, o coletivo prepara suas primeiras atividades de caráter militante. No dia 15 de maio, eles organizaram um cinedebate sobre o filme “Nise – O Coração da Loucura”, que conta a história de Nise da Silveira (que dá nome ao coletivo), médica que transformou a psiquiatria brasileira, propondo a humanização do tratamento, o uso da arte-terapia e a luta contra os manicômios.  A atividade serviu como uma “preparação” para o ato “Liberdade, Dignidade e Respeito: Luta por uma Democracia Antimanicomial”, organizado pela Frente Estadual Antimanicomial, que aconteceu na Avenida Paulista, no último dia 18.

Além disso, eles têm um projeto de debates sobre saúde mental na universidade em parceria com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) da FLLCH, com início previsto para o segundo semestre. Tonne explica que o eixo do projeto apresentado para a Comissão é de conscientizar os professores sobre alunos com transtornos psicológicos. “Os professores ou não sabem ou ignoram. Eu prefiro crer que eles não sabem. Mas eu sei que não, eu não sou tão ingênua.”

Psicofobia

Termo pouco conhecido, a psicofobia designa a discriminação sofrida por pessoas que possuem algum transtorno psicológico. Tonne explica que a maioria dos casos são motivados pela falta de conhecimento sobre o assunto. “As pessoas consideram que os transtornos mentais são frescura, fraqueza,  preguiça. (…) Geralmente são frases ofensivas, coisas como ‘isso é coisa da sua cabeça’ ou ‘isso é falta de força de vontade’.”

Nesse sentido, ela reforça a importância de se debater o tema dentro da universidade. “A universidade não tem políticas para lidar com isso, não debate o tema  e não procura formar os seus professores para saber lidar com o assunto. Então o que a gente reivindica é primeiro um processo de conscientização, que as pessoas saibam que existem alunos com transtornos mentais na universidade e que eles precisam de algumas políticas específicas.”

FUSM  

Outra iniciativa que realiza atividades sobre o tema é a Frente Universitária de Saúde Mental (FUSM), formada por alunos da Medicina, do Direito, da Psicologia, da Escola Politécnica e também de faculdades de fora da USP, como a Santa Casa de São Paulo. Após diversos casos de tentativas de suicídio no curso de Medicina no ano passado, o grupo surgiu com o objetivo de lutar por serviços de acolhimento nas faculdades e por uma mudança curricular que priorize a saúde mental dos alunos.

Em 2017, a Frente realizou a Semana de Saúde Mental, evento aberto à comunidade e que trouxe atividades e palestras em torno do tema. Os  convidados debateram assuntos como o estigma da saúde mental, suicídio na universidade e  aspectos da rotina acadêmica que podem ser prejudiciais à saúde mas acabam sendo naturalizados.

Imagem da campanha #NãoÉNormal, lançada pelo grupo no Facebook. Créditos: Januz Miralles

Neste mês, o grupo inicia o projeto de rodas de conversas abertas, onde os alunos poderão discutir sobre como o curso e o ambiente em que estudam afetam sua saúde mental e sobre suas demandas em relação a isso. As primeiras acontecem na Poli, na Odontologia e na FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), mas o objetivo é realizar em diversas faculdades, inclusive fora da USP.

Beatriz Bessa, aluna de Engenharia Elétrica na Poli e membro da Frente, explica que a ideia é ouvir as demandas dos alunos e, junto com o Centro Acadêmico de cada faculdade, pensar em ações que possam mudar o cenário. “Enquanto as questões de saúde mental estiverem veladas, enquanto as pessoas não perceberem que existem alunos com depressão, tendo crise de ansiedade e que a própria instituição esconde isso, a situação nunca vai se resolver”, comenta.

Viralizou

A página da Frente no Facebook conta com mais de 30 mil curtidas, e, no ano passado, uma campanha criada por eles viralizou na rede social. Com a hashtag #NãoÉNormal, os usuários compartilhavam experiências pessoais de como a vida universitária pode afetar a vida pessoal negativamente. “Não é normal que a faculdade se torne um gatilho para ansiedade” e “não é normal não ter tempo para cuidar da sua saúde” são frases que aparecem em alguns dos posts que obtiveram diversos compartilhamentos.