Hortas urbanas: plantações em meio ao concreto

Pesquisador transformou resultados de tese em guia de boas práticas para quem quer plantar e colher na cidade

Horta Comunitária na Faculdade de Medicina existe desde 2013 – Foto: Mirella Cordeiro

Por Diego Andrade e Mirella Cordeiro

Uma dúvida de grupos de pessoas que cultivam alimentos na cidade – conhecidos como  hortelões urbanos – levou Luís Fernando Amato Lourenço, engenheiro ambiental, a desenvolver uma tese de doutorado sobre o assunto. “Eles queriam  saber se era seguro comer o que havia sido cultivado na cidade ou se, por exemplo, a poluição do ar tinha uma influência grande e contaminava o alimento”, explica Amato Lourenço.

O pesquisador, que faz parte do Grupo de Estudos em Agricultura Urbana (Geau) do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, investigou os poluentes na cidade e sua absorção pelos alimentos produzidos nas hortas urbanas. Ele concluiu que a poluição interfere nos alimentos.

Entretanto, o maior resultado do trabalho foi notar que os benefícios oferecidos pela agricultura urbana superam os problemas de contaminação e poluição. Para enfrentar essas dificuldades, recomendações foram criadas e transformadas em um guia de boas práticas para o cultivo nas cidades.

“A cartilha foi uma forma de transcrever o que obtive de resultados na tese em uma linguagem mais simples, para qualquer pessoa entender”, afirma o autor de A influência da poluição atmosférica no conteúdo elementar e de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos no cultivo de vegetais folhosos nas hortas urbanas de São Paulo.

Amato Lourenço explica que, apesar de ter publicado três artigos científicos em duas revistas, percebeu uma distância entre o que é reportado e o que a população, que não é especialista, compreende. Dessa forma, o guia é uma simplificação da resposta à pergunta: “o que fazer para minimizar o problema da poluição?”.

Dentre outras dicas, o guia recomenda que o interessado em cultivar na cidade investigue se há avenidas de grande circulação, principalmente de ônibus e de caminhões, nas proximidades. Se houver, é indicado plantar árvores ou arbustos que tenham altura superior a 2 metros no entorno do terreno. E, no centro, os vegetais mais propícios a acumular poluentes, os vegetais folhosos.

Essa dinâmica faz com que as árvores e os arbustos funcionem como obstáculo vertical, um muro verde, o qual protege os vegetais da região central. Isso acontece porque as plantas maiores podem reter muitos dos poluentes nas folhas e nas cascas, de acordo com o pesquisador.

A cartilha foi lançada no final de março em evento na Faculdade de Medicina da USP, onde foi distribuído o guia de boas práticas. O documento também está disponível em pdf no site do IEA.

Arte: Larissa Fernandes

 

3. Efeitos da poluição atmosférica

Foto: Mirella Cordeiro

 

 

árvores frutíferas
e arbustos altos
funcionam como uma barreira contra a poluição, por isso, devem ser plantados nas extremidades.
Amoreiras, bananeiras, goiabeiras, pitangueiras
e romãzeiras

 

 

 

Foto: Mirella Cordeiro

 

vegetais folhosos
por serem os mais afetados pela poluição, o centro do terreno é a melhor área para o cultivo.
Espinafre, alface e couve

 

 

 

 

 

Foto: Mirella Cordeiro

 

arbustos menores
devem ser plantados nas áreas adjacentes.
Feijão, vagens, berinjela, acerola e mandioca

 

 

 

 

 

Coletivo Taiobas Urbanas planeja agrofloresta

Taiobas Urbanas é um coletivo do Instituto de Biociências (IB) da USP que tem se dedicado à construção de um Sistema Agroflorestal (SAF) no IB. A aluna do primeiro ano de Ciências Biológicas e integrante do coletivo, Clara Costa Delia, conversou com o Jornal do Campus e apresentou o conceito.

De acordo com Clara, uma agrofloresta possui, por exemplo, árvores, outros tipos de plantas parasitando-as e insetos, tudo em simbiose. A aluna explicou que o SAF tenta fugir dos métodos tradicionais da agricultura, como monocultura – exploração do solo com apenas um produto agrícola –, para encontrar a harmonia na floresta com diversas plantas. Essa alteração humana, isto é, selecionar e cultivar plantas que fazem sentido de estarem juntas, aumenta a complexidade da simbiose.

Além disso, uma agrofloresta trabalha com os consórcios entre as plantas e os animais e entre fatores bióticos e abióticos, ou seja, vivos e não vivos. É preciso considerar também a questão dos “estratos”: “As plantas de estrato alto são as árvores, as de estrato médio são os arbustos e as de estrato baixo são as herbáceas, rasteirinhas”, explica a aluna.

Todos esses fatores são avaliados pelo coletivo. Neste momento, o grupo está se preparando para o inverno, escolhendo as mudas para plantar e avaliando o que tem dado certo.

Questionada a respeito de legumes e verduras no SAF, Clara informou que a agrofloresta possui abóbora e inhame, por exemplo, mas que não há algumas hortaliças porque o ciclo delas é curto. E, para fazer o consórcio entre as plantas, são necessários ciclos mais longos.

Ativismo verde

Arte: Larissa Fernandes

Em sua tese de mestrado defendida pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o pesquisador Gustavo Nagib analisa o plantio na cidade como uma forma de ativismo. Ele estudou a dinâmica da Horta das Corujas, horta comunitária em praça pública no território da Subprefeitura de Pinheiros, primeira horta comunitária com expressão ativista de São Paulo. Em sua pesquisa, o autor conclui que a referida horta “sinaliza outra maneira de se apropriar do espaço público e de viver a cidade, pautada na experiência comunitária de caráter solidário”.

Nagib explica que plantar na cidade é uma forma de ativismo porque “trata-se de uma reivindicação e de uma luta pelo direito à cidade e pela reapropriação dos espaços públicos”. Ele ainda ressalta que a agricultura urbana não é uma atividade recente no mundo nem em São Paulo. “Nossa cidade tem um importante e tradicional cinturão verde que nos fornece alimentos cotidianamente. Os agricultores periurbanos de São Paulo são fundamentais para o nosso abastecimento de alimentos.”

Arte: Larissa Fernandes

Iniciativas na USP

Além da iniciativa do coletivo Taiobas Urbanas, existem diferentes hortas comunitárias na USP. A Faculdade de Medicina (FM), o Instituto Oceanográfico (IO), o Centro de Práticas Esportivas (CEPE) e a Faculdade de Saúde Pública (FSP) são alguns dos lugares que mantém hortas com a contribuição de voluntários.

Oficinas de compostagem, saraus e mutirões foram algumas das atividades realizadas na horta do IO, espaço onde são cultivadas flores, plantas medicinais e aromáticas, conta o estudante Piero Dias.

Mantida desde 2014, Dias explica que não foi feita uma análise do solo antes de sua criação, além de o local não receber incidência direta de luz, “porém, sempre verificamos que não era um grande problema para o que fazemos”.