“Investimento em moradia popular no centro deve ser prioridade”

Para o arquiteto Nabil Bonduki, a maioria dos projetos de habitação social do Brasil é de péssima qualidade

Caio Nascimento

Habitação popular contruída no morro do Tiro ao Pombo. Região carece de serviços básicos de qualidade. Foto: Caio Nascimento
Habitação popular construída no morro do Tiro ao Pombo. Região carece de serviços básicos de qualidade. Foto: Caio Nascimento

As cerca de 150 famílias sem teto que perderam parentes no incêndio ocorrido na ocupação do prédio Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, em 1º de maio, não correspondem nem a um por cento do número de pessoas que não têm onde morar no Brasil. O déficit habitacional do país – número de moradias que não atendem dignamente aos moradores – aumentou em 287 mil entre 2014 e 2015, atingindo o total de 6,3 milhões de lares. No mesmo período, o estado de SP registrou a falta de mais de um milhão de domicílios, assumindo a liderança da região sudeste. Os dados foram divulgados pela Fundação João Pinheiro no mês passado.

A arquitetura da maioria dos programas de moradia popular na capital paulista é de baixa qualidade e reforça o isolamento da população mais pobre em áreas periféricas sem infraestrutura. É o que afirma o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e especialista em planejamento urbano Nabil Banduki. Segundo ele, o Poder Público não se importa com bons projetos de interesse social. “Muitos são excessivamente padronizados, em lugares desprovidos de emprego e sem equipamentos sociais e de cultura”, aponta. Além disso, o arquiteto critica a falta de participação das comunidades atendidas.

Bonduki destaca ainda que incentivar a moradia popular no centro custa caro, devido à alta valorização dos terrenos, mas traz benefícios e deve ser prioridade. “Muitos moradores da periferia trabalham no centro e se deslocam até lá de ônibus. Assim, a prefeitura gasta com transporte o que ela deixou de investir em habitação”, explica.

Segundo o ex-secretário de transporte da prefeitura de SP, Frederico Bussinger, se as pessoas pudessem fazer um deslocamento de dois quilômetros ao invés de vinte, haveria redução de gastos no consumo de combustível e na emissão de gases poluentes.

O relatório “Mobilidade, Acessibilidade e Produtividade”, do Núcleo de Economia Regional e Urbana (Nereus) da USP, revela que os moradores da Região Metropolitana de São Paulo gastam meia hora a mais do que deveriam no deslocamento entre a residência e o local de trabalho. Essa morosidade da maior metrópole do país, segundo a pesquisa, gera uma perda de R$ 156,2 bilhões para o Brasil. Se o excesso de tempo fosse eliminado, o PIB nacional cresceria em 2,83% e a cidade absorveria 50% do benefício.

“Muitos moradores da periferia trabalham no centro e se deslocam até lá de ônibus. Assim, a prefeitura gasta com transporte o que ela deixou de investir em habitação popular na zona central”

— Nabil Bonduki, especialista em planejamento urbano

O professor e coordenador da pesquisa, Eduardo Haddad, explica que o grupo mapeou a área geral e urbanizada da Região Metropolitana de SP, o tamanho da população, os níveis de renda, os preços dos imóveis e o salário médio dos trabalhadores. Foram computadas também a quantidade e a densidade dos postos de trabalho.

Exemplo em bairro nobre

Nabil Bonduki acredita que o conjunto habitacional Jardim Edite é uma referência de projeto popular em São Paulo. Entregue em agosto do ano passado, a construção se situa no Brooklyn, bairro de concentração econômica, e ocupou o lugar de uma favela.

O projeto possui uma área total construída de 25.500 m², com 252 unidades de 50 m², um restaurante-escola, uma Unidade Básica de Saúde, e uma creche. Os serviços são oferecidos tanto para os moradores quanto para o público externo, a fim de inserir o espaço na economia e no cotidiano da região.

Conjunto habitacional Jardim Edite foi construído no lugar de uma favela. Espaço é integrado à escola, restaurante, UBS e à economia da região nobre do Broolyn, onde está localizado. Foto: Nelson Kon
Conjunto habitacional Jardim Edite, localizado no Brooklyn (SP). Espaço é integrado à economia da região nobre por meio de equipamentos sociais para famílias de baixa renda. Foto: Nelson Kon

O arquiteto e diretor da Escola da Cidade, Ciro Pirondi destaca que moradia popular não é sinônimo apenas de construir casas. “É saneamento básico, luz, drenagem, calçada asfaltada, teatro, cinema, hospital e afins. Não existe habitação sem essas condições”, alerta.

A afirmação de Pirondi contrasta com as construções do governo de São Paulo na periferia. Na Vila Brasilândia, um dos distritos mais pobres da capital, foi entregue o conjunto habitacional do Tiro ao Pombo há 7 anos, mas o bairro ainda está entre os 18 distritos da metrópole, dentre os 96, com até 30% da população vivendo em favelas. Além disso, a região possui o 8º pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do município.

Programa social que afasta pobres

O ‘Minha Casa, Minha Vida’ (MCMV), projeto de moradia popular do Governo Federal, aceita famílias com renda de até R$ 9 mil desde fevereiro do ano passado. A medida foi aprovada depois de empreiteiras pressionarem o presidente Michel Temer em busca de incentivos. A aceitação do Planalto garantiu que o Índice de Confiança da Construção Civil (ICST) se mantivesse em alta até março deste ano, após oito meses consecutivos de crescimento.

Bonduki explica que essa política colaborou com o déficit habitacional ao não priorizar as famílias de baixa renda. “Esse público não tem condições de pagar o aluguel de uma moradia digna e, sem o programa público, vira déficit”, aponta. De acordo com os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), metade dos domicílios irregulares das regiões urbanas do país abrigam famílias com renda de até três salários mínimos.

Ciro Pirondi aponta que caberia ao Governo limitar os lucros das construtoras parceiras do ‘Minha Casa, Minha Vida’ para continuar atendendo aos mais pobres. A MRV Engenharia, maior operadora do programa, lucrou R$ 202 milhões no terceiro trimestre de 2017. Isso significou aumento de 35% em relação ao mesmo período do ano anterior. “O empresário quer ganhar dinheiro, ele não é filantrópico. Portanto, o governo precisa juntar vontade política com competência técnica para impor regras. As coisas caminham bem quando o Poder Público e a iniciativa privada se unem com controle”, analisa.

No ano passado, o Governo Federal construiu 23 mil moradias para as famílias de baixa renda, enquanto a meta era 170 mil. “A consequência disso é o maior adensamento das favelas, o surgimento de novas ocupações, o aumento da população de rua e o crescimento das coabitações, ou seja, famílias que moram de forma precária na casa de outra família”, aponta Pirondi.

De acordo com o levantamento da Fundação João Pinheiro, mais de 1,6 milhão de domicílios são coabitados no país, sendo a maioria concentrada no estado de São Paulo, com 326 mil.