Mesmo após reformas, financiamento de campanha tem problemas

“Não tem nenhum controle nos gastos da pré-campanha. Ninguém sabe quem está gastando o que agora”, diz Alberto Rollo, advogado eleitoral (Colagem: Ana Helena Corradini)

Por Laura Castanho

Polarização à parte, uma preocupação une os políticos no Brasil inteiro. É nessa época do ano que começam os esforços para arrecadação das campanhas eleitorais — ainda que, na teoria, o dinheiro só deveria pingar nos cofres partidários a partir do dia 15 de agosto, quando começa o período oficial de campanha.

A maneira pela qual esse financiamento ocorre mudou radicalmente nos últimos anos: em 2015, foi proibido que pessoas jurídicas doassem qualquer quantidade diretamente aos candidatos. No fim de 2017, foi criado um fundo público eleitoral de R$ 2 bilhões para preencher a lacuna deixada por esse veto. A arrecadação privada ficou restringida, portanto, a pequenas quantidades vindas de pessoas físicas, individual ou coletivamente.

Surgido no revés da Operação Lava Jato, esse novo modelo foi pensado para diminuir as chances de corrupção na fase em que os candidatos ainda não passam de promessas. Nas eleições de 2014, vale lembrar, o dinheiro alocado por pessoas jurídicas a campanhas superou R$ 6 bilhões de reais.

Além disso, houve casos extremos: as doações do grupo JBS, por exemplo, foram de R$ 30 milhões declarados, na campanha de 2002, a R$ 300 milhões, na campanha de 2014 — valor que pagaria os salários de todos os servidores da USP durante um mês.

As mudanças, no entanto, não livraram de críticas o modelo de financiamento vigente em 2018. A principal delas: a proibição total de doações de empresas, que surgiu de um julgamento do STF, seria muito radical.

“O financiamento privado por pessoas jurídicas não precisaria ter sido descartado como foi”, afirma o advogado eleitoral Alberto Rollo. Ele e outros especialistas ouvidos pelo JC defendem que o ideal seria uma redução gradual do financiamento empresarial, pois ainda não há certeza se a Justiça seria capaz de cumprir com a fiscalização adequada. Em alguns casos, a análise de contas pode levar anos e até ser prescrita.

“A Justiça Eleitoral só é rigorosa com detalhes. Acaba se preocupando muito com formalismo e olhando menos para a origem do gasto em si”, diz. “Não tem nenhum controle nos gastos da pré-campanha [sendo realizada na atual época do ano]. Ninguém sabe quem está gastando o quê agora.”

O maior risco é que as irregularidades não desapareçam. Em uma eleição na qual a única fonte privada de financiamento é limitadas a pessoas físicas, o número de “laranjas” poderia crescer exponencialmente. “O nosso medo é que o caixa dois aumente. Esse é sempre o preço a se pagar quando se proíbe algo”, afirma Juliana Sakai, diretora de operações da ONG Transparência Brasil, que desenvolveu o primeiro projeto de visualização dados de financiamento de campanha no país. “Os interesses e demandas em torno do Executivo continuam.”

Segundo Sakai, o modelo atual segue reproduzindo desigualdades semelhantes às do anterior ao manter um teto proporcional para as doações — cada cidadão pode doar até 10% do valor que declarou à Receita Federal. Assim, candidatos ricos — ou com apoiadores individuais de alta renda — se beneficiam mais, enquanto os demais tendem a ser excluídos da disputa. Cabe às cúpulas dos partidos definir quem terá acesso ao fundo público de campanha (e, portanto, mais chances de se eleger).

“O papel do partido como redistribuidor de dinheiro fica mais forte”, diz ela. “A relação entre dinheiro e voto é bem direta. Por isso há uma disputa tão grande pelo definição dessas regras.” Em 2010, por exemplo, nenhum candidato a deputado federal se elegeu com menos de R$ 100 mil investidos na própria campanha.

Longo prazo
Pensando em um espaço de tempo maior, há outros agravantes que podem vir à tona com o modelo atual. Um deles seria a maior fragmentação do quadro partidário, estimulada pela porção dos fundos partidário e eleitoral que é distribuída de maneira equitativa, ou seja, que cai todos os meses na conta dos partidos, independente de seu desempenho nas eleições.

“Calculando friamente, é um bom negócio um partido se dividir em dois — e depois fazer uma coligação, por exemplo — para aumentar sua arrecadação”, afirma Bruno Speck, professor de ciência política da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP.

Ele descreve o destino do financiamento público como uma “encruzilhada”, muitas vezes indissociável da conjuntura nacional. Se, por um lado, o apoio eleitoral for tido como o melhor critério para financiar partidos e candidatos de modo justo, por outro lado isso pode dificultar a renovação na política. O acesso limitado aos recursos distribuídos proporcionalmente, a chamada “cláusula de desempenho”, aflige candidatos de partidos menores, do PSOL (de Guilherme Boulos) ao PSL (de Jair Bolsonaro).

“É difícil desenvolver uma regra razoável no caso do Brasil. Ainda estamos tateando na avaliação do impacto dessas duas reformas”, diz Speck. De certa forma, o país continua no escuro: ainda não há estudos sobre o uso de caixa dois nas eleições de 2016, as primeiras sem financiamento empresarial.

Há também quem se oponha que o Estado ceda qualquer soma às campanhas eleitorais. O advogado Alberto Rollo, por exemplo, não acha que isso deveria acontecer enquanto o Brasil não for um país rico; antes, teria de priorizar seus encargos básicos, como saúde e educação.

“A lei quis imitar o modelo de financiamento de vaquinha americano, que me parece o mais bem sucedido”, avalia o jurista, citando a modalidade de crowdfunding (financiamento coletivo online), que que passou a ser permitido para campanhas de políticos no país no último dia 15. “A sociedade lá tem uma maturidade maior para saber que política em si não é suja.”

Os modelos de financiamento nos outros países variam. Na Alemanha, Canadá e Estados Unidos, o Estado também aloca recursos públicos para as campanhas dos candidatos, mas de forma inversa à que ocorre no Brasil. Nesses países, cabe primeiro ao eleitor destinar uma doação ao partido de escolha, e, somente após as eleições, essa doação é reembolsada pelo governo.

Para evitar desigualdades, há um teto nominal do quanto cada pessoa pode doar. “Esses modelos alocam os recursos não de forma burocrática, mas envolvendo o cidadão, que é o principal ator na eleição”, diz Speck.