O que os olhos não veem, o estômago sente

Experiência de comer nos quatro bandejões da USP revela muito mais do que diferenças de cardápio

Por Juliana Lima e Mirella Cordeiro

A USP possui diversos restaurantes universitários, os populares bandejões. O baixo custo é o que mais atrai a comunidade uspiana. Uma refeição completa custa apenas 2 reais. No campus Cidade Universitária, há quatro bandejões. Nossas repórteres fazem uma avaliação dos restaurantes e do que é servido neles.

Bandejão Central

Foto: Bruna Nobrega

O bandejão Central é o mais importante do campus, justamente por sua localização: “central”. Talvez seja o maior também, e lá não são raras as filas enormes.

Na noite de 10 de maio, entretanto, a fila era mínima — paulistanos, acostumados com multidões, nem chamariam aquilo de fila, só algumas pessoas na frente. Depois da catraca, mais uma pequena fila, mas a espera é rápida.

O cardápio é o típico brasileiro: arroz, feijão, carne assada, mandioca corada, salada de almeirão, e uma maçã de sobremesa. Há ainda a opção de arroz integral e quibe de batata para os vegetarianos. Além disso, mini pão e suco “open bar”. Tudo isso por apenas 895 quilocalorias, como diz o cardápio. Saudável.

A comida é boa e cumpre o dever de encher a barriga. A carne e seu molho são bons, mas a mandioca está quase crua, não dá para comer. Uma pena, pois parece muito bonita. O arroz e feijão não deixam a desejar, mas o suco é açúcar puro. Um copo deve ultrapassar todo o valor calórico da refeição.

Bandejão da Física

Foto: Juliana Lima

O restaurante do instituto de Física tem o mesmo cardápio que o Central, com um bônus de não possuir tantas filas. O espaço é menor, mas atrai não só pessoas desse Instituto, como de toda a redondeza.

No almoço de 11 de maio, o local estava vazio, apesar do cardápio ser o preferido de muita gente: estrogonofe de carne. Para os vegetarianos, estrogonofe de PVT (Proteína Vegetal Texturizada). Acompanha batata-palha, arroz, feijão, salada de escarola, mini pão e suco. O cardápio prometia caqui, mas havia mexerica.

O prato (ou bandeja) é animador, mas decepciona. O arroz integral totalmente duro e sem sabor, mas é realmente difícil cozinhar esse arroz, vamos dar um desconto. Já o estrogonofe de carne não tem perdão. O molho até estava bom, mas a carne, dura, não permite saber de qual parte do boi provém, mas não parece a melhor opção. No fim, acabamos com batata-palha e molho. Pode não ser a combinação mais refinada, mas agrada.

Bandejão da Química

Foto: Mirella Cordeiro

Chegando pelo prédio da Química, não é tão simples encontrar o restaurante. Fica no pavimento de baixo e, por isso, é preciso descer escadas sem iluminação, cujos degraus, tenho a impressão, são mais curtos do que deveriam ser.

A propósito, você sabe o que é molho roti? Eu não conhecia e continuo achando que não conheço, mesmo após jantar lagarto ao molho roti. Aliás, também não sei como é a pronúncia: “rotí”ou “róti” ou “rôti”?

Mas não posso negar que o lagarto estava bem assado. Esse restaurante é uma boa escolha se você não quer gastar muito durante a semana.

O arroz não era integral, mas tinha a aparência amarelada. Acelga crua não constava no cardápio do dia, mas estava disponível e não deixou a desejar.

O mamão era doce, mas a colher mandou lembranças. Você deve comer a fatia da fruta com garfo e faca sujos de lagarto.

O refresco selecionado era de tangerina sem açúcar. Para a proposta de refresco, a água aromatizada estava boa.

Bandejão da Prefeitura

Foto: Mirella Cordeiro

Chegar ao bandejão da prefeitura também não é fácil. Após descer no ponto “Prefeitura/física”, há uma caminhada até chegar. Depois de passar por um pequeno portão e um longo corredor, você verá pessoas formando uma fila.

Um senhor simpático passa a carteirinha USP na pequena máquina e libera a entrada. Depois, continuamos na fila até passar pelas bandejas, pratos, talheres e pelas mulheres que servem a comida e perguntam “quer mais?”

O arroz branco era bom. As iscas de carne estavam saborosas e o molho vinagrete, presente. A salada de pepino descascado possui um formato incomum: não é cortado em rodelas, é cortado em tiras.

As duas opções de minipão eram boas: o integral estava macio e o branco tinha a casca crocante. Ambos frescos.

Para beber, havia mais opções do que o restaurante da Química, e incluía água. O refresco de goiaba não era apenas uma água aromatizada: era uma água aromatizada, doce, rosa e com grãos do pó que deu origem ao suco no fundo do copo.

Para sobremesa havia flan de baunilha ou laranja. Escolhi a primeira opção e havia colher para acompanhar. A aparência era bonita e o gosto lembrava sorvete de baunilha, mas a consistência era de gelatina. Uma combinação que não pretendo reviver.

 

 

 

 

A regra é clara: quem serve, não come

Apesar das manifestações contrárias ao absurdo dos funcionários terceirizados não poderem comer nos bandejões, a situação deve perdurar 

“Chega de segregação. Os terceirizados têm direito de comer”, diziam os cartazes dos manifestantes de um dos três atos organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) contra as condições de trabalho dos funcionários terceirizados do Restaurante Central da Cidade Universitária.

Foto: Bruna Nobrega

A segregação começou assim: no dia 8 de março aconteceu o pregão presencial da Superintendência de Assistência Social (SAS) de número 002/2018, para contratar serviços de limpeza e higienização de utensílios de cozinha industrial. O que estava sendo terceirizado era o trabalho da sala de louças do Restaurante Central. A empresa que levou o serviço foi a VL Terceirização, com o valor total de R$ 260 mil.

Os funcionários terceirizados começaram o trabalho no dia 26 de março. As funções, antes realizadas por cerca de 12 pessoas, passaram a ser feitas por sete. “Mulheres são a maioria, recebem a metade do salário dos efetivos e são proibidas de comer, de usar o vestiário e não têm acesso ao BUSP (cartão que garante gratuidade aos ônibus circulares)”, diz Marcello Pablito, funcionário do bandejão e membro da diretoria do Sintusp.

Segundo funcionários do bandejão, o serviço é pesado a ponto de levar ao adoecimento dos trabalhadores. Uma reportagem de 2015 do Jornal do Campus revelou o resultado de dois relatórios técnicos oficiais após avaliação médica: de 142 funcionários, 99 estavam com limitações adquiridas no exercício da função. Dois motivos comuns eram o de movimento repetitivo e permanecer em pé durante muito tempo.

Em conversa informal, uma funcionária do restaurante central contou algumas das tarefas: deve-se bater a bandeja em uma cuba para a comida sair; depois disso, outra pessoa pega a bandeja e esguicha água. O trabalho, que exige força, é repetido por três horas.

A trabalhadora afirmou que seu braço é lesionado por conta dessa atividade que, hoje, não realiza mais. Ela também comentou que a redução da quantidade de pessoas na sala de louças é responsável por, algumas vezes, faltar bandejas para os usuários do restaurante durante o almoço ou o jantar.

Pablito afirma que essa situação vem sendo agravada com a política de não contratação. “Isso foi se aprofundando até chegar nessa situação em que apresentaram a terceirização como única saída”, explica.

A partir da indignação dos efetivos diante, principalmente, da sobrecarga dos terceirizados, foram organizados os três atos na frente do restaurante, além de abaixo-assinado com quatro exigências: o direito de os terceirizados comerem dentro do restaurante, poderem usar o vestiário, terem acesso ao BUSP e não sofrerem nenhum tipo de represália. Até o fechamento desta edição, a petição online contava com 228 assinaturas.

O segundo ato contra a segregação e em favor dos terceirizados, realizado no dia 17 de abril, ainda contou com uma homenagem à Alessandra Cristina de Freitas, trabalhadora da sala de louças do bandejão central, de 30 anos, que faleceu “por conta de complicações de saúde”, como deixou claro Pablito.

O Sintusp está denunciando essa situação porque é um caso emblemático, de acordo com Pablito, da realidade dos trabalhadores terceirizados em toda a USP. “Um terceirizado trabalhar dentro de uma cozinha industrial sem poder comer é uma situação absurda”, afirma.

Duas reuniões do Sintusp foram realizadas com a SAS, que alega que não está previsto em contrato a obrigatoriedade de fornecer refeições aos terceirizados, por isso eles não oferecem. Procurada pelo Jornal do Campus, a Divisão de Alimentação da SAS, “com autorização do professor Fábio Müller Guerrini, o superintendente”, disse apenas que “o referido contrato segue estritamente as determinações e instruções normativas da USP”, mas não mostrou um posicionamento perante as manifestações ou o andamento das reuniões com o Sindicato.

Também foram realizadas duas reuniões com a Comissão Permanente de Relações de Trabalho (COPERT), cujo objetivo é representar a administração da Universidade nas negociações sindicais com os servidores técnicos e administrativos. Entretanto, a Comissão diz que as relações de trabalho não envolvem os terceirizados. “Não se fizeram responsáveis por essa situação”, afirma Pablito. Houve também reclamação com a VL Terceirização, que alega que a relação deles é com a contratante, ou seja, a Reitoria da USP. A COPERT foi procurada para comentar o seu papel na universidade, mas não se pronunciou até o fim desta edição.