Pensões são anunciadas como repúblicas

Por Lázaro Campos

Um novo teto traz custos, novas condições de vida e também a convivência com outras pessoas. As pensões estão entre as opções escolhidas pelos estudantes que vêm de fora estudar na USP seja pela proximidade à Cidade Universitária ou pelo menor preço em relação à outras moradias.

O colombiano Dahian Triana, 28 anos soube da confirmação do intercâmbio em dezembro e não teve tempo de estudar português. Foi um conhecido que avisou do quarto em mora hoje na capital paulista. “Ele tirou foto de um anúncio num poste. Falamos por telefone e eu mandei parte do dinheiro do aluguel. Quando cheguei, paguei o resto. Só conheci quando cheguei para mudar”, lembra o estudante de cinema.

Na pensão onde mora, não falta espaço, mas também não sobra nenhum. A distância entre o eixo da porta e a cadeira devem ser milimetricamente medidas por quem deseja entrar no quarto. Faz parte do pacote básico a escrivaninha, cama de solteiro e pequenos armários. Entrada de ar, só pelo vitrô da porta. A cadeira serve para secar a toalha de banho. Lençóis e roupas estão nos armários acima da cama, ou nos suportes fixados nas paredes. Valor: 380 reais.

Dahian se sente satisfeito. “O aspecto mais relevante foi ser muito econômico. Queria achar um lugar barato e perto da universidade. Eu consegui os dois.” Segundo o colombiano, “a universidade aporta uns mil reais por mês para mim. Minha família ajuda em parte dos custos, mas eu trabalhei e juntei dinheiro antes de vir para cá. Tenho aprendido uma vida em que tenho que me sustentar com que tenho. Não sobra, nem falta.”

Já na pensão administrada por Susana (nome fictício como todos a seguir na reportagem), os quartos são divididos por drywalls, paredes de materiais frágeis. São 50 quartos, cujos preços variam de acordo com o tamanho, entre 600 e 800 reais. Além disso, a privacidade conta para o preço do corredor mais caro: só cinco dividem o banheiro ali.

O pernoite de namorados ou companheiros só é permitido com pagamento de taxa extra. “A casa é para morar e estudar. Faço isso para dificultar mesmo. Se não isso deixa de ser uma casa e vira um motel”, justifica a administradora.

Há uma disputa quanto a como chamar a moradia. Alguns entrevistados usavam o termo “pensão”, mas Susana logo defendia o uso de “república”. “É república a palavra que usa aqui na região. Porque aqui é diferente, cada um cuida de si. Em pensão, às vezes serve alimento. Não podemos servir comida”, explica.

Para inglês ver

Na área comum do local, o inglês John explicou como foi sua experiência em achar o quarto. “Quando cheguei aqui, fiquei assustado. Só R$ 750! No meu país a gente chega a pagar o que seria R$ 1250 aqui.” Ele recebe bolsa da sua universidade de origem para o intercâmbio e dá aulas de inglês para ajudar no orçamento no Brasil.

John conta que há uma diferença entre o intercâmbio feito por ingleses no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Tenho amigos ingleses que moram lá e eles só querem os lugares mais seguros. Então, eles ficam em Copacabana, Ipanema, que é muito mais caro. Eles têm um mundo fechado e só veem a perspectiva das ricos. Isso eu acho engraçado, porque aqui nós não estamos num lugar muito chique, e isso é uma coisa que eu gosto.”

Ele considera importante morar com muitas pessoas. “Na Inglaterra, eu morava com mais 70 pessoas em um bloco e quando cheguei aqui, só conhecia duas pessoas. Eu queria conhecer 70, 80. Aqui nunca estou sozinho, sempre tem alguém para conversar. A USP é muito grande e não vejo todo mundo lá, mas tenho raízes na casa.”

Corredor de uma das pensões visitadas

Experiência passageira

Vanessa é do litoral paulista e morou na pensão no primeiro ano da graduação. “Na visita, venderam muito bem o serviço e meus pais ficaram encantados com o lugar. No começo, estava encantada com a USP e consegui vivê-la ao máximo. Dava pra ir em festas sem me preocupar com horário de saída.”

Mas o jogo virou. “No segundo semestre, as pessoas  não lavavam mais a louça e passaram fumar perto do varal. Não entendia como os estrangeiros diziam querer ficar um, dois anos lá. Não sei se é comportamento de diferentes culturas, mas eu pensava em como conseguiriam ficar um ano em um lugar com tanta bagunça.”

Ainda assim, ela que a experiência trouxe amadurecimento. “Eu não me arrependo de ter ido para lá. Foi um momento de crescimento que nunca mais terei na vida.”

Giovanna, outra ex-moradora da pensão explica que o quesito privacidade na moradia foi uma das razões para sair do local. “Hoje gasto cem reais a mais em um apartamento dividido em que tenho privacidade. Não me arrependo de ter morado lá. Indico para quem está chegando, mas é algo para ser passageiro.”

João Romão

No quintal da casa, vários corredores de quartos e banheiros. Onde não há quartos, ficam os varais. Estudante da FFLCH, Arthur se considera sortudo. Seu quarto não é tão pequeno. Ele é do litoral paulista e mora em São Paulo há três anos. Essa é sua terceira moradia na cidade. A primeira, uma pensão, a segunda, uma república dividida com outros uspianos. “Assim que saiu o resultado, fiquei preocupado em como eu ia morar em São Paulo. Porque eu não tenho apoio financeiro dos meus pais e isso complicou tudo.”

Entre viver no Crusp e o auxílio de R$ 400 da universidade, optou pelo dinheiro. “Foi muito frustrante porque não conseguia encontrar nada por esse preço. Então, tive que fazer uns bicos.”

A primeira e a atual moradia são do mesmo dono, onde ele paga R$ 500. Os preços variam em função do tamanho, presença de janela, proximidade do banheiro, “algumas coisas que são luxo quando você está morando em pensão.”

Ele avalia que sua relação com a USP é afetada por morar em uma pensão. “Embora você esteja sozinho, você tem que conviver com pessoas com quem você não quer estar junto. Isso pode atrapalhar seu bem-estar. Morar numa pensão significa ter menos recursos, e com isso, a relação com a universidade é menos rica.”

A locação de um quarto na pensão não passa pela burocracia comum de multa ou calção. “O proprietário decidiu que isso não vale mais a pena. Prende o inquilino ou a pessoa quebra o contrato. O sistema é paga e mora”.

No anúncio, a pensão é chamada de república. Para Arthur, há distinções. Na pensão, os moradores não têm poder de decisão. “O dono é quem decide quem vem para cá, mesmo sem conhecermos a pessoa. Na república, os moradores decidem em consenso e pensam o destino da casa.”

Ele comenta a resistência ao uso do termo “pensão”: “talvez seja porque a ideia de república seja mais aceitável para os pais e para quem procura. No fim, ele chama de república, eu de pensão. Isso não importa. Eu só preciso de um lugar para morar.”

O estudante relaciona a moradia em pensões com a dificuldade de permanência na Universidade. “Não acredito que um estudante moraria numa pensão se esse não fosse o único recurso. Se o estudante está chegando aqui, precisa de um auxílio para permanência e não quer morar no Crusp, provavelmente vai cair numa pensão, ou numa moradia desse tipo.”

Para Arthur, o dono da pensão é amigável e atento à manutenção. Ele faz um paralelo “desses modelos de casas com muitas pessoas em um lugar só” com João Romão, personagem de O Cortiço, romance de Aluísio de Azevedo. No livro, ele é um ambicioso comerciante português, dono de uma pedreira, de uma taverna e de um cortiço.

“Não é que os donos dessa pensões não se preocupem com o bem-estar dos inquilinos, mas na gana de atrair mais pessoas, não ponderam as consequências que isso pode ter para quem já mora. Não dá para dizer ‘para de colocar gente aqui’, jamais vai acontecer. Porque sempre tem gente querendo morar aqui. É uma questão de mercado mesmo. Quando entra nessa seara, inevitavelmente, no meu ponto de vista, tem prejuízo de recursos humanos.”