Quatro, dezesseis, oito

(Ilustração: Martina Flores)

Por Bárbara Reis

O Brasil é o país mais ansioso do mundo. 18,6 milhões de brasileiros vivem com ansiedade, generalizada, social ou não. E eu sou parte dessa estatística. Será que eles conseguem fazer uma ligação de telefone sem passar três horas se preparando será que eles passam noites em claro pensando em como o peso de todas as responsabilidades está desmoronando em cima da cabeça deles e depois acordam na manhã seguinte exaustos antes de fazer qualquer coisa e não fazem nada por medo de ficar tão horroroso quanto eles pensam que vai? Será que eles também não sabem se a vida é pesada demais ou se eles só são fracos demais para aguentar o básico do básico?

Eu aposto que eles estão melhores do que eu e só não sabem porque é impossível que exista alguém mais terrível do que eu essa fraude ambulante que só tem muita sorte e não vai chegar a lugar nenhum e não vai saber o que fazer quando chegar a esse não lugar mas eu nem sei para onde estou indo e nada faz sentido. Eu devia tentar usar menos as redes sociais dizem que isso ajuda a minha amiga desinstalou o Instagram e melhorou muito mas é claro que ela consegue e eu não porque ela é muito melhor do que eu. Nesse ano ela já leu vinte livros e eu fingi que terminei de ler os meus últimos três só para poder ficar um pouco menos atrasada no desafio de leitura e parecer minimamente respeitável.

“Como anda o texto?” Anda mal não anda está parado na cama acordado há uma hora e meia com medo de levantar e ter que lidar com tudo que deixou pra depois porque não vai ficar tão bom assim. Você não presta e todo mundo vai saber disso. Tudo bem, talvez seja melhor, eu odeio mentir. Mas se você não consegue fazer isso, não vai chegar a lugar nenhum. Jornalista ganha pouco jornalista incompetente não ganha nada e a minha psicóloga cobra cem reais a sessão e se já sou louca com isso imagina sem?

“Você viu que eles ficaram na festa?” Eu vi eu sei de tudo eu passei uma hora e meia pulando de perfil em perfil para saber da vida inteira dela e tentar entender como ela consegue tudo que quer — consegue o amor consegue o corpo consegue o apartamento legal as viagens chiques os amigos e não é louca que nem eu — e passei as três horas seguintes pensando em como tudo que eu não sei fazer vai me condenar a uma vida inteira sozinha. E tudo bem eu já estava acostumada em ser uma falha no amor mas talvez eu só seja ruim em tudo.

O texto? O texto ficou para depois.

Já pensou que talvez você só use esse papo de ansiedade para justificar o fato de que você é só preguiçosa? Pensei nisso por horas enquanto tirava pelinhas dos meus dedos e olhava para a barrinha piscando na página em branco e sentia meu coração bater mais forte e tentava lembrar daquela técnica de respiração que eu aprendi quando fazia ioga antes de desistir porque todo mundo que entrava na aula conseguia tocar o próprio pé e eu continuava horrível mesmo depois de dois anos porque de todas as coisas que eu faço mal a atividade física é o caso mais grave e dizem que sedentarismo é tão ruim quanto fumar um maço de cigarros por dia e se isso me der uma doença tão séria que eu vou precisar tomar quinze injeções sendo que eu choro para tirar sangue? Mas a respiração. Quatro segundos de inspiração dezesseis de retenção oito de expiração. Deu certo.

Quantas dessas respirações eu faço por dia por semana por mês por ano? Se juntar tudo quantos textos dava para ter feito? Vinte e oito vezes sete vezes quatro vezes doze vezes vinte quase vinte e um e ainda não sabe o que está fazendo da vida o que será que minha mãe acha disso? Mas a respiração. Quatro de inspiração dezesseis de retenção oito de expiração.

Não sei porque estou tão cansada nem porque sofro eu sou tão privilegiada eu sei disso é tudo tão estúpido e eu passei as últimas cinco horas na minha cabeça. Sei que enquanto isso algum dos outros 18,6 milhões fez um monte de coisas sem reclamar uma vez enquanto eu transformei minhas crises em uma série de tweets ao invés de escrever. E o texto ficou para depois e sempre vai ficar para depois e depois e depois e depois e depois e eu vou falhar na única coisa que pensei que talvez desse pra fazer.

Minha psicóloga pergunta o que eu imagino quando vejo essa crônica pronta sendo lida e eu vejo a cara da minha melhor amiga segurando o jornal e sorrindo amarelo e falando que tá ótima, amiga mas eu sei que é mentira, sei que é.

Mas a respiração. Quatro, dezesseis, oito. Deu certo?