Spotted, correio elegante virtual, também afasta pessoas

Posts na página social vão da confissão sentimental às problematizações e pedidos de ajuda

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Spotted, correio elegante eletrônico, também afasta pessoas (Ilustração: Namie Tamashiro)

Por Bruna Nobrega

Você já ouviu a palavra “spotted”? Em português, ela significa “avistado(a)” e é exatamente desse significado que surgiram diversas páginas de Facebook muito visitadas por alunos da USP e de outras universidades. O objetivo delas é simples: mandar uma declaração para a pessoa que você gosta, com a facilidade de ser anônimo, para os mais tímidos. Trata-se da versão moderna dos correios elegantes das festas juninas.

Só dentro da USP, há mais de 20 spotteds diferentes, destinados a cada instituto, aos circulares e, até, aos arredores da faculdade. Algumas páginas são recentes, outras existem desde 2013, quando a “febre” começou.

O “Spotted: Universidade de São Paulo”, por exemplo, tem mais 11 mil curtidas e posts diários com incontáveis declarações, como esta: “Moça ruiva que estava no uspão na sexta feira 20/04, por volta das 17h30. Você é maravilhosa!”. Ou: “Menino bonito na fila da prefeitura, de touca azul marinho, cabelos castanhos, acho que tinha olho claro e estava de moletom. Será que te encontro?”.

As páginas são moderadas por anônimos que, além de postarem mensagens enviadas por alunos, são mediadores do que vale ou não ser publicado. Mensagens de ódio (segredos e outros), classificados (seja divulgação pessoal ou profissional, adoção de animais) e spotteds com foto (exceto de achados e perdidos como documentos e cartões) são algumas das restrições do Spotted: USP, por exemplo.

A primeira versão dos Spotteds servia apenas para declarações amorosas, mas, depois de cinco anos, as mensagens variam de cantadas a desabafos pessoais e reclamações do dia a dia. Isso sem contar que um post simples pode ter consequências maiores do que se imagina.

Tentativa que não deu certo

O Spotted não funciona em todas as faculdades. O Instituto de Relações Internacionais tentou criar sua página no começo de 2017, mas a apagou em menos de uma semana. “O spotted do IRI foi criado a partir de uma brincadeira dos calouros. A gente queria saber quem era o crush de cada um e decidimos fazer isso anonimamente, para as pessoas não ficarem com vergonha”, contou Laura Dantas, aluna do instituto.

Logo nos primeiros dias o propósito da página foi desvirtuado após um post ofender algumas mulheres. “A gente chegou à conclusão de que o spotted seria, no caso do IRI, que é um instituto muito pequeno, um lugar em que as pessoas estariam protegidas pelo anonimato e poderiam ser preconceituosas, homofóbicas e machistas”, explicou.

Após um debate aberto organizado pelo núcleo feminista, os alunos decidiram excluir a página. “A gente até tentou achar saídas para que desse pra fazer um spotted lá, mas todas eram falhas por causa do anonimato. As pessoas podiam falar qualquer coisa sem serem responsabilizadas.”

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O Spotted pode ser considerado um correio elegante moderno (Ilustração: Namie Tamashiro)

A seguir, cinco histórias reais – e inusitadas – entre Spotteds e os alunos da USP:

Novo amor

“Eu e minha primeira namorada da ECA começamos a namorar por causa de um spotted. Em 2015, na PPFest, conversamos e ela me enviou o clássico “Beija moças?”. Veio a Festeca, fui lá, a beijei e depois fiz a desentendida, como se tivesse esquecido. Então foi a minha vez de mandar um spotted: “Saudades Festeca. Queria te beijar de novo”. Na Abril a gente foi lá e se pegou. Namoramos até o BIFE daquele ano.”

Incentivo

“A história que eu gosto é de uma garota que mandou um spotted meio triste, dizendo que estava perdendo as esperanças de entrar na USP. Respondi para ela continuar tentando e, não só disse que uma hora daria certo, como ainda a convidei para participar de uma reunião de um projeto de educação que iria acontecer na minha casa depois da lista de aprovados. Ela passou, foi na reunião e, quando me contou isso, eu fiquei muito emocionada porque nem lembrava mais desse spotted.”

Fim definitivo

“O término do meu relacionamento foi engatilhado por um spotted. A gente estava em um relacionamento aberto há alguns meses, mas já estávamos mal fazia um tempão. Alguém me mandou um spotted perguntando se eu estava solteiro e ela meio que exigiu que eu comentasse que não. Respondi que preferia simplesmente ignorar o spotted. Ficamos sem nos falar por três dias – era uma terça-feira. No domingo terminamos definitivamente.”

Conselho útil

“Uma pessoa mandou um spotted dizendo que tinha dado uma mancada com outra, mas queria voltar a ficar com ela. Aí eu respondi dizendo pra ela puxar um papo no inbox e ser sincera que poderia dar certo. Depois de um tempo, um amigo me disse que tinha um dedo meu no relacionamento dele e me contou que ele era a pessoa com quem o boy tinha sido escroto e que o conselho tinha dado certo.”

Enganada

“Um cara pediu meu telefone em uma festa e, como eu não queria dar, falei pra ele que se ele me mandasse um spotted eu passava. Eu nunca achei que ele fosse lembrar, mas uma semana depois a mensagem estava lá. Aí começamos a conversar e, olhando o perfil dele no Facebook, achei umas coisas estranhas: nome que não batia, comentários nada a ver. Aí fui mais a fundo na pesquisa e descobri que ele estava usando um facebook falso para falar comigo porque ele tinha uma namorada. No fim, só joguei tudo na cara dele, ele parou de me responder e apagou o perfil.”