Um muro, cinco versões

Quem nunca especulou sobre a quebra do muro de vidro da raia olímpica, que atire a primeira pedra — mas com cuidado para não causar mais estragos. Inaugurado parcialmente em março deste ano, o muro sofreu quatro ataques distintos, que resultaram na quebra de 10 painéis de vidro. O último incidente, na madrugada de sábado (28), resultou na detenção de um suspeito por furto qualificado. O homem teria quebrado o vidro para recolher e vender as colunas de alumínio que o sustentam, as quais ele foi visto carregando. Ainda não há um laudo oficial que aponte a causa de cada uma das infrações, mas isso não evitou rumores. Numa tentativa de esclarecer o que cada envolvido tem a dizer, o Jornal do Campus compilou cinco versões sobre as quebras do muro.

A versão oficial

O projeto foi anunciado em 19 de julho de 2017 como parte da campanha Cidade Linda, idealizada pelo ex-prefeito João Doria, em parceria com a Universidade. De acordo com o reitor à época, Marco Antonio Zago, o muro de vidro seria uma forma de mostrar à população que “a USP não é algo isolado, ela é propriedade da população do Estado de São Paulo”. Segundo Jóia Bergamo, arquiteta responsável pelo projeto, as pessoas que passam pela Marginal Pinheiros não terão apenas um muro, mas “uma vitrine para a USP, porque a USP é linda”.

O projeto custou R$ 20 milhões, dos quais R$ 15 milhões foram bancados por 45 empresas, e os R$ 5 milhões restantes pela Prefeitura de São Paulo (veja no gráfico ao lado). O início das obras, prometido para setembro do ano passado, ocorreu em fevereiro. No último dia 22, o prefeito havia entregado 1,6 km dos 2,2 km totais. Com cada vidraça medindo 1,8 m, o trecho inaugurado equivale a cerca de 890 vidros, cada um deles orçado em R$ 4 mil.

 

Versão da guarda civil

Na última semana de abril, quando os muros foram quebrados pela terceira vez, a reportagem do JC esteve no local. Para os policiais da Guarda Civil Metropolitana (GCM), que passou a patrulhar a área, os vidros podem ter sido quebrados por tiros.

O objetivo? Retirar as molduras de alumínio, que pesam 20 quilos cada. Na internet, é possível encontrar quem compre o metal por R$ 4 o quilo. Isso significa que cada moldura pode ser vendida por, no mínimo, R$ 80. Na Leroy Merlin, empresa responsável pelo serviço de bricolagem no muro, a mesma coluna custa R$ 112,90.

Quando a reportagem falou com a GCM, havia ao menos uma câmera instalada em direção ao muro de vidro. Na mesma semana, em conversa com um vigia da USP, ele informou que as imagens ainda não chegam à central de patrulhamento, que funciona na Prefeitura do Campus, o que impede a visualização dos autores dos atos. Durante a conversa, um guarda disse que a quebra do muro é “dinheiro da USP jogado pela janela”.

Na verdade, ainda não é: a universidade só passará a arcar com a manutenção quando a obra for concluída. Cada vidro custa R$ 4.000, valor equivalente a 10 bolsas de auxílio-moradia da universidade (veja o gráfico ao lado). Por enquanto, a Guarda Civil permanece na faixa lateral da Marginal Pìnheiros durante a madrugada: atrapalha o trânsito e, até o fechamento desta edição, ainda não havia descoberto nada.

A versão dos ambientalistas

Cerca de um mês após o projeto do muro de vidro da raia olímpica ser anunciado, em 21 de agosto de 2017, o Departamento de Parques e Áreas Verdes (DEPAVE) da Prefeitura de São Paulo apresentou um relatório com críticas e recomendações ao projeto, visando torná-lo seguro para as aves.

Apesar do Brasil não possuir legislação específica a respeito de arquitetura “bird-friendly”, o documento apresentou as diretrizes internacionais para evitar a ocorrência de colisões, que são a segunda maior causa de morte dos animais. Entre as recomendações, está a utilização de vidros foscos, adesivagem e angulações alternativas para os painéis.

Os especialistas, com base em dados da aplicação de projetos similares, também sugerem que sejam combinadas duas ou mais táticas de prevenção para garantir a segurança.
De todas as sugestões, a única que o projeto acatou foi a de colocar adesivos.

No entanto, seu posicionamento desrespeita a regulamentação: o espaçamento máximo entre os adesivos deve ser de 5 centímetros para marcar a presença do objeto em contraste com a paisagem. Nas vidraças ao longo da Raia, há um grande adesivo de pássaro a cada vidro, deixando o restante da superfície desprotegido. “Já se sabe desde 1993 que os adesivos de gavião não funcionam, a não ser que estejam colados muito próximos aos outros”, explica Carlos Candia-Gallardo, doutor em Ecologia pela USP. “Um dos poucos relatórios nacionais sobre o tema provou a sua ineficácia.”

Entre outubro de 2016 e julho de 2017, o DEPAVE recebeu 146 aves feridas (uma média de 14,6 por mês) de 51 espécies diferentes, uma em risco de extinção. O problema é agravado no ambiente da USP. “A raia do remo tem grande concentração de aves, que circulam também pelos bairros do entorno, incluindo o Parque Villa-Lobos”, explica Candia-Gallardo.

A versão de um morador

Um morador da região afirmou ao JC ter presenciado a sequência de eventos da última madrugada de sábado (28), na qual o muro foi quebrado pela quarta vez. Nessa ocasião, o suspeito foi detido em flagrante carregando as barras de alumínio da construção. A descrição física que ele fez do suspeito bate com a da polícia: alto, magro e com idade entre 30 e 40 anos. O morador, que não quis ser identificado, não chegou a ver qual foi o método utilizado para quebrar o muro. No entanto, atribuiu o delito a um homem que se mudou, há cerca de um mês, para um terreno próximo à ponte que liga a estação Cidade Universitária da CPTM com o campus, no lado do Butantã.

Na ocasião, o morador descreveu o modus operandi dos assaltantes: eles passariam de bicicleta na Marginal Pinheiros durante o dia, para reconhecimento. De madrugada, voltariam para quebrar o vidro e recolher as peças. Quando a reportagem foi ao local, numa tarde de terça-feira, havia de fato dois homens com uma bicicleta parados na sarjeta da marginal, observando o local fixamente.

Por ter ocorrido de madrugada, a infração foi levada ao 91º DP da Vila Leopoldina — ao contrário dos demais casos de ilegalidade na USP, que vão parar no 93º DP do Butantã quando ocorrem até as 19h. Devido ao feriado de 1º de maio, o Jornal do Campus não conseguiu acesso aos documentos ligados à tentativa de furto a tempo de fechar esta edição.

A versão de especialistas

Peritos em balística consultados pelo JC afirmaram que não há como dizer com certeza se o muro foi quebrado a tiros, ou de outra maneira, somente observando o estado do vidro. Para conhecer o real motivo, teriam de ser realizados testes com diferentes tipos de arma e munição. Eles ressaltaram, no entanto, que o vidro utilizado no muro é do tipo “blindex”, temperado e cinco vezes mais resistente do que os comuns. Trata-se do mesmo vidro utilizado em boxes de chuveiro e para-brisas de carro.

Esse tipo de material, quando quebrado, se estilhaça em pedaços minúsculos, que permanecem colados a uma película de proteção para proteger as pessoas próximas. Dessa maneira, ainda que o dano aos painéis de vidro tenha sido grande, o objeto utilizado na colisão não precisa, necessariamente, ser tão potente quanto o estrago aparenta. “A investigação está indicando que pode ser um disparo, um arremesso de pedra, um tijolo, enfim. A gente teria que ter todas as peças com essas características e fazer esses testes, comparando com uma peça original do vidro”, afirmou a perita Cátia Curto, da Superintendência da Polícia Científica de São Paulo.

Uma possibilidade menos emocionante seria que a causa do dano não fosse descoberta, o que é perfeitamente possível na situação do muro — uma vez que ele foi quebrado em ao menos quatro ocasiões diferentes. “A perícia é fundamental, mas nem sempre é conclusiva a ponto de definir para o delegado o que está acontecendo”, disse Curto.