Das fichas, um fichário. De José, lembranças.

Funcionário da Biblioteca do IME aposenta após 40 anos de trabalho. Sua trajetória vai das fichas catalográficas ao Dedalus.

Junior Barrera, diretor do IME, Stela N. Madruga, chefe técnica da biblioteca do IME, José Euclides, e Luiz Renato Gonçalves Fontes, vice-diretor do IME em homenagem ao funcionário. Foto: Marcia Queiroz

Por Mirella Cordeiro

O sistema de catalogação que usa fichas está em vias de extinção. José Euclides Martinelli, 62 anos, sabe bem disso. Ele começou a trabalhar na Biblioteca do Instituto de Matemática e Estatística (BIME) em fevereiro de 1978 e se aposentou após 40 anos e dois meses de trabalho no mesmo lugar, mas realizando atividades bem diferentes.

“No começo, quando eu entrei em 78, tinha uma máquina elétrica”, conta. “Aí você digitava a ficha, deixava a ficha prontinha, para fazer os desdobramentos”. Durante muitos anos o trabalho do José Euclides foi de desdobrar. Havia uma ficha matriz, que continha todos os dados dos livros, e, a partir dela, era necessário fazer fichas de autor, assunto, título, série, entre outras informações dos livros.

“Se você queria saber se tinha tal autor naquela biblioteca, você ia no fichário de autores e via. Estava tudo por ordem alfabética. Se você só tinha o nome do livro, você conseguia achar pelo título no outro fichário”. Funcionava assim o sistema de fichas nas lembranças do funcionário aposentado.

José parece satisfeito ao explicar seu antigo trabalho. Não fala muito de si. Mas, a todo momento, mostra-se disposto a ajudar. Entrei em contato com ele num sábado, por e-mail e, no mesmo dia, obtive resposta com o número de seu telefone celular.

Em 40 anos, o sistema saiu de fichas catalográficas e migrou para o Dedalus, o banco de dados bibliográficos da USP utilizado atualmente. “Até quando eu fiquei teve três programas. Começou com um, depois passou para uma versão mais nova, e esse da versão recente já era na ww, na internet”, conta, “eu alimentava esse programa.”

José Euclides não é saudosista. “Tudo o que vem no computador é mais fácil. Para pesquisar, para localizar as coisas. Você digita, se tá errado uma palavrinha, você vai lá e apaga”. E a ex-colega de trabalho, Stela do Nascimento Madruga, atual chefe técnica da BIME, confirma: “ele sempre teve ideias novas”.

No entanto, a BIME só se desfez dos fichários em 2016. “Não alimentavam ainda todos os fichários, mas a de título e a de autores, sim”, conta Stela. Foi uma das últimas bibliotecas da USP a deixar esse sistema. A Faculdade de Direito, por exemplo, ainda utiliza fichas e algumas outras bibliotecas utilizam internamente, de acordo com a chefe técnica.

No IME, ficou um fichário para recordação e algumas fichas de amostra. Mas, apesar de ter trabalhado tantos anos com o sistema, José é completamente desprendido. “Você lembra do Walkman? Se você quisesse ouvir uma música, tinha aquele cartucho de fita cassete. Hoje, você faz o que com aquilo lá?”, e deu uma pausa. “Nada. Você joga fora”, completou.

A internet já existe há uns bons anos. É consenso que abandonar as fichas catalográficas apenas em 2016 foi uma decisão demorada. E José estava certo em seu palpite: “a área de matemática é muito conservadora”, nas palavras de Stela.

“Eu sentia que era meio difícil de ter mudanças na biblioteca. Mas eu não sei dizer de onde partiu isso, porque eu recebia ordem, não era dono de nada”, afirma o funcionário aposentado sobre o fim do sistema.

Stela contou que os fichários foram desfeitos para abrir espaço. “Para melhorar o ambiente de leitura. Também porque demandava um trabalho imenso dos funcionários. E o José Euclides, por exemplo, se aposentou.” Além disso, a BIME já não estava mais com a impressora em que as fichas eram produzidas. “Não fez mais sentido continuar com os fichários”, explicou.

“Agora melhorou bastante. Houve uma grande reforma da biblioteca, então ficou bem mais bonita, atual em termos de arquitetura.” José parece orgulhoso do local para onde dedicou tantos anos de sua vida.

“Como trabalhou muito tempo em banco, ele tinha o perfil assim mesmo do funcionário que vestia a camisa”, comenta Stela.

“Você já foi lá?”, ele perguntou, “a biblioteca ficou até bonita de se ver!”

Os colegas lembram de José com carinho. “A vida inteira de bermuda, ele só colocou calça para receber uma plaquinha de homenagem de 40 anos de trabalho”. José recebeu uma homenagem do diretor do IME, o professor Junior Barrera, pelos serviços prestados. Em tanto tempo, José quase não faltou, nem tirou abono.

E era engajado. Ao comentar das lembranças, não fez cerimônia: “tinha as greves que a gente participava. Eu gostava. A gente ia para o Palácio do Governo, para Paulista…” Difícil imaginar que os funcionários ou professores do IME participavam das greves. Mas José reafirmou: “Hoje, não entra mais em greve, mas sempre entrou.”

“É uma pessoa muito ativa, procura entender das coisas. Sempre participativo e colaborativo”, segundo Maria Lúcia, com quem José Euclides trabalhou muito tempo.

Em 2018, na Biblioteca do IME, de um sistema sólido de catalogação, restou um fichário. De José, muitas lembranças. “Só do cotidiano”, como ele mesmo afirmou, mas não se aprofundou.

“Eu trabalhei 40 anos, eu gostei, sempre na biblioteca. E sentia que era uma biblioteca bem organizada”, concluiu, desviando o foco dele. E, no fim, recapitulou: “hoje, é tudo no computador.”