Esportes eletrônicos movimentam a USP

Ao invés da bola nos pés, a preferência é por controles, teclados e mouses

Por Rafael Paiva

Na pátria das chuteiras, os esportes eletrônicos atraem cada vez mais olhares. Enquanto Neymar e companhia estreavam na Copa do Mundo de Futebol, pessoas de diferentes cantos lotavam o Ginásio do Mineirinho. O intuito: acompanhar o embate decisivo de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO) na ESL One Belo Horizonte.

Fato é que o crescimento do interesse pelos e-sports não se resume ao cenário profissional, no qual empresários investem enormes cifras. Na onda da consolidação de campeonatos universitários, como o Torneio Universitário de eSports (TUES) e a Liga Universitária de eSports (LUE), por exemplo, o número de equipes nesses ambientes só aumenta.

Sob essa perspectiva, o JC entrou em contato com representantes de três entidades uspianas, que abordaram as peculiaridades do meio estudantil em relação aos jogos virtuais e o contexto geral. Em discussão, temas como regulamentação, baseada num Projeto de Lei do Senado (PLS), integração, machismo e coberturas.

Priscila Mendes e Igor Miyamura, membros do DASI Griffins e-Sports (Foto: Rafael Paiva)

Dúvidas

Está tramitando no Senado o PLS 383/2017, de autoria do senador Roberto Rocha (PSDB/MA), que “dispõe sobre a regulamentação da prática esportiva eletrônica”. Dentre outros fatores, o projeto estabelece que os jogadores sejam reconhecidos como atletas, visa o combate de práticas discriminatórias e institui o dia 27 de junho como o “Dia do Esporte Eletrônico”.

A medida gera bastante controvérsia. Até o fechamento desta edição do JC, cerca de 57% das pessoas, na consulta pública do site do Senado, se declararam contrárias à proposição.

Questionado sobre a condição de esportista, mesmo que amador, Davi Torres, diretor de e-sports da Associação Atlética Acadêmica Ana Rosa Kucinski (AAAARK), do Instituto de Química (IQ), deixou claro: “Me considero um atleta amador sim, um atleta universitário, e nunca precisei de um reconhecimento governamental ou da sociedade para isso”.

Visão semelhante tem Igor Miyamura, CEO do DASI Griffins e-Sports, equipe do Diretório Acadêmico de Sistemas de Informação da EACH. “Acho que somos atletas sim, porque trabalhamos muito com a mente. Sem contar que os atletas profissionais trabalham a questão física”.

O estudante de química, por sua vez, demonstrou uma certa dúvida quanto ao projeto. “Estão fazendo isso para dar o devido reconhecimento para os atletas de e-sports ou é apenas um meio de conseguir taxar com novos impostos as organizações e os próprios atletas?”.

O projeto, que obteve parecer favorável na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) em abril, será analisado em decisão terminativa pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). De acordo com a Agência Senado, “caso seja aprovado sem emendas para votação em Plenário, seguirá para a Câmara dos Deputados”.

Uspianos

“Uma entidade de e-sports que tenta ao máximo focar no perfil profissional, mas sem deixar um lado casual e de integração de pessoas”. Ao definir a POLI Plague com essas palavras, Thiago Fugii, responsável pelas mídias sociais da equipe, sintetizou a dualidade que acompanha as agremiações universitárias.

Embora as melhores colocações nos diferentes campeonatos e a profissionalização sejam os nortes das diretorias, o convívio e o prazer pelas modalidades não podem ficar de lado.

“O DASI Griffins não é só um time de e-sports. Ele une as pessoas. O nosso papel é sempre o de incentivar. Uma vez que é divertido de participar, de torcer, de conversar sobre”, relatou Priscila Mendes, que presta assistência à entidade da USP Leste.

De acordo com parte dos entrevistados, embora ocorram seletivas e campeonatos internos, em muitos casos, os jogadores são descobertos ao acaso, nos espaços acadêmicos, como lanchonetes e bandejões.

O repórter pôde comprovar essas coincidências na própria Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Um membro do DASI Griffins, enquanto comia na “lanchonete dos auditórios”, ficou surpreso pelo fato de um outro estudante jogar uma modalidade específica dos e-sports.

Igor Miyamura e Priscila Mendes (Foto: Rafael Paiva)

Machismo

Para os entrevistados, os ambientes dos esportes eletrônicos no Brasil são, deveras, tóxicos, mesmo que a pessoa jogue só por divertimento. O machismo está mais do que presente.

“Não tem como dizer que não tem machismo. Uma vez eu soltei no jogo um ‘estou cansada’ e as pessoas do grupo começaram a responder: ‘Nossa, ela é mulher. Me adiciona, ai. Vamos jogar juntos’. Começaram a chover vários convites, num grupo de cinco pessoas, de uma forma bem estranha. Sem contar a situação típica: ‘Você é mulher? Joga de Suporte? Porque normalmente as mulheres jogam de Suporte no League of Legends’. E você fica ‘Porra, mano, como assim?’ Não faz sentido”, disse Priscila Mendes.

“Vemos muitos casos de assédio e até de agressão verbal em muitas partidas, por conta de ser uma jogadora. Infelizmente, muitos jogadores não enxergam habilidades, procuram julgar a pessoa com quem elas jogam”, argumentou o integrante da POLI Plague.

A situação acaba se refletindo nos perfis das equipes. Embora divulguem as seletivas para todas as pessoas interessadas, tanto na POLI Plague quanto no DASI Griffins e-Sports nenhuma mulher atua como atleta. Uma realidade lamentada por quem faz parte.

“Esse é um problema que a gente tem. A gente não teve nenhuma inscrita nas seletivas até o momento”, disse Igor Miyamura. “O time até agora não possui nenhuma jogadora, infelizmente. Não há busca do sexo feminino para que se forme um time de alguma modalidade, mas esperamos que o incentivo venha nos próximos anos”, relatou Thiago Fugii.  

Cobertura

Em decorrência do interesse, sobretudo, por parte dos jovens nos e-sports, os canais, tanto abertos quanto por assinatura, investem cada dia mais na cobertura dos jogos eletrônicos. Como em todo fato relativamente novo, entretanto, algumas derrapadas não passam despercebidas pelos telespectadores mais atentos.

“Está melhorando, mas por diversas vezes assistindo uma cobertura deles é possível perceber erros muito primários. Algo que qualquer jogador, mesmo que apenas por diversão, saberia. Mas temos que ter paciência, eles estão se esforçando para nos agradar”, comentou Davi sobre algumas transmissões das emissoras pagas.

Thiago não hesitou sobre a temática. “A cobertura dos esportes eletrônicos pelas mídias tradicionais é extremamente porca. Há muitas restrições”.

Por outro lado, há quem enxergue aspectos positivos nos conteúdos exibidos, apesar dos equívocos cometidos e das explicações básicas por parte dos profissionais.

“Eu acho muito legal passar na televisão, porque o público é maior. Nem todo mundo tem contato com uma Twitch, um streaming ou o YouTube. Essa facilidade que a TV tem em entrar nas casas das pessoas é muito importante”, mencionou Priscila.

“Às vezes passa algo na televisão e minha mãe comenta: ‘Olha, Igor, aquilo que você joga’”, revelou o CEO do DASI Griffins e-Sports.

Ronaldo tornou-se sócio da CNB no ano passado (Foto: Rafael Paiva / Jornalismo Júnior)