Festas, comida e “kit bixo” financiam projetos de extensão

Venda de doces em festa para arrecadar fundos para o Projeto Redigir (Foto: Marcella Affonso)

Por Marcella Affonso

Nos últimos três anos, a USP destinou R$ 1,3 milhão para os chamados “projetos especiais” de cultura e extensão. O valor está congelado desde 2016 e só vale para entidades que busquem o apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU), que administra os repasses.  

Em teoria, há outras formas de fomento que devem ser promovidas pelas Comissões de Cultura e Extensão de cada unidade. No entanto, esse dinheiro não chega a todos os projetos de extensão existente na Universidade. Sem recursos institucionais, eles comumente precisam recorrer a fontes alternativas de financiamento, que vão de festas até o chamado “kit bixo”, sacola com brindes temáticos vendida na matrícula dos calouros.

O projeto social Redigir, curso gratuito de comunicação e cidadania promovido na ECA (Escola de Comunicações e Artes), é um desses casos. Segundo a educadora Taís Ilhéu, apesar de o grupo já ter recebido apoio financeiro da PRCEU, ele atualmente se mantém com o dinheiro arrecadado em uma campanha de crowdfunding de 2016, que arrecadou R$ 1.790.

Também depende de outras iniciativas pontuais – como a venda de doces e camisetas e a organização de festas. O principal gasto do projeto é a impressão do material didático utilizado durante as aulas, no valor aproximado de R$ 1.900 por semestre, considerando cinco turmas de 40 alunos cada.

Em maio deste ano, após passar por dificuldades financeiras mais graves, o grupo realizou uma festa, em parceria com o centro acadêmico da ECA, para quitar uma dívida de quase mil reais em impressões. Ainda assim, não é o suficiente. “Sem o apoio financeiro da Universidade, somos obrigados a reduzir o número de turmas, de educandos e a quantidade de conteúdo das aulas para economizar em impressões”, explica Taís.

A venda de objetos, comidas e bebidas também ajuda a manter em funcionamento a extensão promovida por outros grupos, como o Educar para o Mundo, coletivo do IRI (Instituto de Relações Internacionais) que atua com educação popular junto à população migrante de São Paulo.

Surgido em 2009, por iniciativa de membros do centro acadêmico da faculdade, o projeto nunca recebeu apoio financeiro institucional, conforme explica Diego Ortega, membro do projeto. Segundo o estudante, todo o dinheiro de que o grupo dispõe para exercer suas atividades é arrecadado durante a semana de recepção dos calouros, a exemplo do “kit bixo”. Eles ainda vendem camisetas, comidas e bebidas em eventos do IRI.

Quase o mesmo ocorre com o Rosa dos Ventos, projeto de turismo social fundado em 2001 por alunos da ECA. O projeto visa democratizar o acesso ao lazer e à cidade para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, e sua principal atividade são os passeios na cidade de São Paulo. Eles custam R$ 1.200 em média cada e são financiados, basicamente, pela venda de geladinhos e comida em eventos, como explica Letícia Shine, membro do projeto.

Segundo a estudante, a quantia arrecadada não é suficiente para o grupo fazer tudo o que gostaria. “Se tivéssemos um maior apoio financeiro ou institucional, teríamos mais visibilidade. Isso beneficiaria tanto nossa organização quanto àqueles com quem realizamos os passeios”, diz.

Outra alternativa é adotada pela Estação Biologia, projeto gerido por estudantes de graduação do IB (Instituto de Biociências). Há 30 anos, eles recebem visitas didáticas principalmente de alunos da pré-escola ao ensino médio. O grupo se financia cobrando uma taxa de R$ 130 por visitação das escolas particulares. Para os estudantes de escolas públicas, as atividades são oferecidas gratuitamente.

Toda a verba arrecadada é destinada ao próprio Instituto, que devolve parte dela na forma de transporte e materiais. Para a educadora do projeto Gabriela Longo, o retorno financeiro que recebem do Instituto é suficiente, ainda que a burocracia para adquiri-lo dificulte o processo. Formado majoritariamente por voluntários, o grupo conta com três bolsistas.

Alguns projetos de extensão ainda recebem repasse direto de recursos de centros acadêmicos para se manterem. É o caso, por exemplo, do Núcleo de Direito à Cidade, grupo de assistência e assessoria jurídica popular com ações de usucapião coletivo em Paraisópolis. Fundado em 2003, o projeto é financiado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito, que o incorporou a seu departamento jurídico em 2008.

Segundo Marianna Haug, integrante do grupo, o dinheiro com que contam atualmente é suficiente para custear os projetos que desenvolvem, mas insuficiente para garantir a permanência de seus membros. “Por isso pretendemos pleitear bolsas de permanência para extensão do Programa Unificado de Bolsas (PUB) da USP”, explica. Conforme informam, o núcleo já contou com o recebimento de bolsas do PUB, mas atualmente todos seus membros são voluntários.

Críticas

Muitos projetos de extensão criticam as alternativas de apoio financeiro oferecidas pela Universidade, feita principalmente por meio de editais lançados pela PRCEU e pelas comissões de cada unidade.

Para o Redigir, que não recebe verbas por essa via, a maior dificuldade é se adequar aos moldes desses editais. A educadora Taís cita como exemplo um lançado pela ECA em 2017, que impossibilitaria que as folhas de que precisam fossem impressas de forma orgânica ao longo do semestre. “Além das aulas contarem com conteúdos de atualidades que exigem flexibilidade para a modificação do material, partimos de um ideal de construção do curso em conjunto com os educandos”, explica.

Outra necessidade do grupo seria a compra de materiais permanentes, como uma impressora. O item, contudo, também não é financiável pelo edital. “Achamos os editais extensos e confusos. Não são muitos os professores que entendem do assunto e podem nos ajudar”, aponta Letícia, do Rosa dos Ventos, que reclama ainda da divulgação desses editais..

Outro lado

Contatada pelo Jornal do Campus, a PRCEU respondeu às críticas feitas pelos integrantes dos projetos afirmando que, no momento, estão buscando ouvir as unidades da USP por meio de visitas, reuniões e de um censo publicado em seu site oficial, mas já encerrado. “A ideia é, justamente, entender o que as pessoas das unidades precisam que seja organizado de uma forma mais eficaz para todos e promover uma organização que atenda ao conjunto da melhor forma possível”, explicou o assessor Michel Sitnik.

Todos os projetos citados nesta matéria afirmam não terem sido contatados pela Pró-Reitoria.