HU nos anos 80: tudo envelhecendo, enferrujando

Manifestação em 2018; moradores brigam pelo HU desde os anos 80 (foto: Luna Bolina)

Por Etienne Faivre

A primeira manifestação dos moradores da região pelo Hospital Universitário ocorreu antes mesmo dele abrir. Em 1981, o Hospital Universitário da USP estava fechado e o processo de abertura, travado, chamou a atenção de um coletivo de luta formado por moradores da vizinhança.

Naquela época, andando pelo Butantã você poderia encontrar uma pessoa que participou ou conhecia a história da abertura do HU. Um deles é Manoel Damacena, que hoje em dia tem uma banca de jornal na Vila Gomes.

Dessa história sobraram só nomes e as lembranças dum bancário empenhado. Damasceno fazia parte da “Sociedade dos Amigos da Vila Pirajussara”, também conhecida como o “Morro do Querosene”. Era um grupo afiliado ao Partido Comunista Brasileiro. À época, Damian, Manoel, Ana Maria Cruz, Tônica, Ângela e até uma dinamarquesa, Úrsula, eram nomes de pessoas que pediam ajuda financeira do partido comunista e promoviam manifestações.

Durante a Ditadura o grupo estava na clandestinidade, lutando pelos direitos humanos e realizando eventos no bairro. Eles organizavam palestras com os grandes líderes comunistas, como Gregório Lourenço Bezerra e Salomão Malina. A festa do Boi, que ainda existe, foi criada pelo grupo e apresentada pela primeira vez pelo senhor Manoel. O bancário também imprimia um folhetim poético que entregava no bairro.

Naquela época, manifestação era diferente. Precisava de disciplina, de vontade ir atrás: “Você tinha que comunicar e convencer as pessoas de ir para a manifestação, eu não duvido que levar o mesmo pessoal para manifestar hoje seria mais fácil”.

Naquela época, o Hospital Universitário ia abrir, mas não tinha data. O motivo era a falta de orçamento. O coletivo de resistência recebeu a notícia de que todos os equipamentos, novos e prontos para uso, estavam enferrujando. Sabendo disso, chamou o pessoal do dos arredores para a manifestação, com as favelas São Remo e Sapé, que participaram juntas da primeira passeata pela abertura do hospital.

Este primeiro protesto foi fraco, mas conseguiu cobertura das mídias locais, o que levaria a um alcance maior na segunda manifestação. Ela foi pacífica, mesmo com a presença da PM, presente para garantir a segurança. Os policiais não interferiram, conta Manoel. Isso foi importante porque naquela época o povo tinha medo de ir para as ruas.

No segundo dia de manifestação, houve cobertura da TV Bandeirantes e da Rede Globo. A massa de gente foi maior e chegou a lotar a frente do HU. O grupo tinha caminhão, porta-vozes e faixas. A mensagem era clara: “Quando você não dá acesso à saúde, você mexe com a Constituição”.

Segundo Manoel, era impossível diferenciar a reitoria da USP, a prefeitura de São Paulo e o governo brasileiro, todos alvo dos protestos. As manifestações tiveram impacto: o HU seria aberto alguns dias depois, tornando-se em pouco tempo um equipamento público importante.

A ditadura estava enfraquecendo e a reabertura do HU foi a prova que de manifestar, lutar, era possível, afirma Manoel. Isso antes da formação do PT e dos grandes movimentos sociais atuais. Eles cresceram para chegar em 1984 e assistirem ao fim da Ditadura. Além de ser modelo para a saúde brasileira, o HU se tornou exemplo de resistência mesmo antes da abertura.

O grupo político que Manoel integrava continuou suas ações, mas foi se enfraquecendo e acabou espalhado. O presidente, Damian, e o resto do grupo se mudou para outros grupos políticos. Hoje em sua banca, ele conta essa história com saudade, inclusive dos amigos de quem perdeu o contato e que provavelmente não estão mais em São Paulo – talvez distantes dos rumos atuais do hospital cujas portas ajudaram a abrir.