Reitoria ignora HU na destinação da verba aprovada pela Alesp

Até agora, dinheiro foi usado para pagar aposentadorias; reitor tem até 7 de julho para resolver isso

O atual reitor, Vahan Agopyan, na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Alesp (Foto: Arthur Aleixo)

Por Mayara Paixão

No próximo dia 12, fará cinco meses desde que a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) remanejou R$ 48 milhões para repor a equipe do Hospital Universitário da USP (HU). O objetivo da verba é compensar o déficit de funcionários do HU, que perdeu 406 trabalhadores desde 2013 em decorrência de seguidos planos de demissão voluntária. Até agora, no enquanto, nenhuma parte deste dinheiro foi aplicada no HU.

Desde o último dia 30, um novo fator se apresenta: o deputado Marco Vinholi (PSDB), autor da emenda que destinou a verba para o Hospital, protocolou o Projeto de Lei 367/2018, que pretende corrigir um erro apontado como um dos possíveis entraves para que a Reitoria não aplicasse a verba para abrir contratações no Hospital, como prevê o texto da emenda. O projeto deve ser colocado em pauta e votado entre os dias 12 e 14 de junho.

Caso aprovado pelos parlamentares na Alesp, o PL corrigiria o grupo de despesas no qual a verba tinha sido colocada na Lei Orçamentária Anual (Lei 16.646/2017), passando do 3, que engloba gastos com insumo, como material e alimentação, para o 1, que trata da contratação de pessoal.

Enquanto isso, o tempo corre. Paralelo aos trâmites na Alesp, a partir do dia 7 de julho, com a vigência da Lei Eleitoral (9504/1997), fica proibida a contratação de servidores públicos pelo estado de São Paulo até a posse dos eleitos em âmbito federal e estadual nas eleições de 2018, de acordo com o Artigo 73, inciso quinto. Há brechas legais que permitem a contratação de funcionários após essa data, mas o processo fica mais difícil.

Se a Reitoria da Universidade seguir à risca as datas das próximas reuniões do Conselho Universitário (Co), o tempo encurta ainda mais. A única reunião do órgão deliberativo prevista para antes de 7 de julho acontece em 26 de junho, a menos que o reitor Vahan Agopyan decida convocar uma sessão extraordinária — como o fez no último dia 29.

Abrir as contratações no HU exigiria a revisão de uma decisão do Co que suspendeu as reposições de servidores técnicos e administrativos concursados na USP em 2018. Em entrevista ao JC em março, Vahan afirmou ser proibido por lei de contratar funcionários esse ano, uma vez que o último plano de demissão voluntária na universidade foi no ano passado. Caso decida revisar essa decisão, ele precisaria colocar o tema em pauta no Co.

Origem da verba

O petróleo e o gás natural, debatidos nos últimos dias em função das paralisações de caminhoneiros e petroleiros, são justamente dois dos protagonistas dessa história. Isso porque a verba alocada para o HU pela Alesp é proveniente dos royalties do petróleo e gás natural do Estado de São Paulo destinados para as universidades estaduais. A USP recebe 52% destes recursos, enquanto Unicamp e Unesp ficam com 24% cada uma. Este é o primeiro ano no qual as instituições recebem o repasse.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2018, de autoria do então governador Geraldo Alckmin (PSDB), que é responsável por orientar a Lei Orçamentária Anual (LOA), previa que o dinheiro das estaduais paulistas proveniente dos royalties deveria ser aplicado para pagar a insuficiência financeira — nome dado para a diferença existente entre o valor das aposentadorias a serem pagas e o da contribuição previdenciária dos servidores da Universidade, que sempre fica negativa.

A emenda dos R$ 48 milhões do deputado Vinholi, porém, mudou o destino do dinheiro. Segundo o Parecer 2306 de 2017, de autoria do tucano, aprovado no fim de dezembro, todo o montante designado para a USP ficaria destinado para o Hospital Universitário. A decisão, que contou com amplo apoio de parlamentares à direita e à esquerda, foi amplamente comemorada pelo movimento popular estruturado em defesa do HU. “O que o Reitor não compreende é que a Lei Orçamentária tem poder de lei”, critica o deputado.

De acordo com informações da Coordenadoria de Administração Geral (Codage) da USP, estima-se que, neste ano, R$ 75 milhões provenientes de royalties do petróleo virão para a Universidade. O montante é significativamente maior do que a projeção de recursos do final do ano passado, que girava em torno dos R$ 48 milhões. É daí que vem esse valor.

Até o mês de maio, 21 milhões dessa verba — cerca de 28% do total previsto — já vieram para a USP. No entanto, foram gastos na folha de pagamento da instituição com a insuficiência financeira, e nada foi destinado ao HU.

Mentira

Um dos agentes que tem acompanhado de perto a situação do HU desde 2014, quando teve início a política de redução de funcionários do Hospital, é o Ministério Público do Estado de São Paulo, na figura do promotor de Justiça Arthur Pinto Filho.

O promotor explica que o papel desenvolvido pelo MP tem sido de diálogo, até se esgotarem todas as vias. Vahan chegou a ser ouvido pelo órgão no início de maio para prestar esclarecimentos sobre a situação do Hospital.

Na primeira reunião do Co deste ano, realizada em 13 de março, o reitor afirmou, ao mencionar o HU, que a verba dos R$ 48 milhões destinada ao hospital iria contra o princípio da autonomia universitária, que garante independência da USP em relação ao estado. Ainda em entrevista ao JC concedida em março, retomou: “O Legislativo não pode obrigar os órgãos públicos a contratarem gente, isso é ilegal.”

Para o promotor do MP, as afirmações do reitor não têm fundamento. “A autonomia universitária se dá dentro daquele modelo estabelecido pela Alesp. Ao alocar verbas de um lado para outro, a Assembleia dá aquela moldura orçamentária para que, dentro dela, a USP possa agir do jeito que melhor lhe prouver.”

Ainda segundo o promotor, “a ação da Alesp não atinge — e isso eu deixo muito claro para toda a comunidade da USP — a autonomia universitária em hipótese nenhuma. Faz parte do dever da Assembleia analisar e, eventualmente, mudar o orçamento”.

Sobre o PL 367, que pretende corrigir o grupo de despesas da verba, o promotor diz que “a hora que houver essa alteração pela Assembleia, não vejo nenhuma possibilidade de a Universidade não cumprir o seu orçamento. É o momento de o HU receber essa verba, realizar as contratações e trabalhar na sua máxima carga”.

Se as expectativas não forem cumpridas, no entanto, ele afirma que o MP agirá ao lado da Justiça. “Se, lamentavelmente, o dinheiro não for utilizado, nós tomaremos as medidas judiciais cabíveis, junto ao Judiciário, para que essa verba seja aplicada conforme deliberação da Assembleia Legislativa que, nessa situação, representa a população de São Paulo.”

O JC entrou em contato com a Reitoria, questionando o reitor sobre qual o horizonte para a abertura de contratações para o HU, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Futuro

Ainda que a verba das contratações sequer tenha sido aplicada pela USP, as movimentações na Alesp avançam. Enquanto acompanha a situação, o deputado Carlos Neder (PT) protocolou, no último dia 24, três emendas ao Projeto de Lei 273 de 2018, de autoria do atual governador Márcio França (PSB), que dispõe sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019.

As emendas pretendem garantir que, no próximo ano, a verba destinada para o HU seja de, pelo menos, 401 milhões de reais — mesmo valor deste ano — para garantir que as futuras contratações possam ser mantidas. Outra demanda é aumentar a transparência nas informações da destinação dos recursos para o HU, possibilitando um maior controle social dos seus gastos. As emendas aguardam análise do Legislativo.

Mobilização

É dentro desse cenário que o tempo passa e se acumulam os meses nos quais Wanda Ricardo dos Santos Bispo, 60 anos, mais conhecida como dona Wanda, não consegue acompanhamento de um cardiologista na rede de saúde da subprefeitura do Butantã. Antes, a moradora da Comunidade 1010, a poucos quilômetros da Cidade Universitária, era paciente do HU. Ela foi personagem central da primeira edição do ano do JC.

Ao ser procurada novamente, o tom da conversa é semelhante: sem atendimento no HU e nem na UBS da Vila Borges, para a qual foi encaminhada, dona Wanda segue sem atendimento na rede pública para acompanhar a pressão e obstrução arterial. Agora, com um agravante: a aposentada tem pago os remédios da pressão do seu próprio bolso; antes os conseguia pelas unidades de saúde.

Dona Wanda, moradores do Butantã e entorno e membros da comunidade USP aguardam a liberação da verba para contratações. A reivindicação virou uma das bandeiras da greve estudantil deflagrada no último dia 24 de maio (leia mais aqui).