Como selfies ajudam a identificar um corpo

Análise odontológica pode ser recurso ágil e barato para resolver casos para os quais os métodos tradicionais não têm solução

A arcada dentária das vítimas pode ser comparada ao padrão identificado em selfies (Foto: Bárbara Reis)

Por Diego Andrade

Se você acha que quem se forma em Odontologia está limitado a exercer a profissão em uma clínica de atendimento odontológico, se enganou: uma das diversas especialidades que podem ser exercidas por profissionais da área está relacionada à perícia criminal. Assim como a Medicina Legal, a Odontologia Forense, atividade pouco conhecida por quem não é da área, é responsável – dentre outras atividades – por auxiliar em processos de identificação humana.

Como a arcada dentária é uma das estruturas mais resistentes do corpo, ela pode ser útil principalmente em casos nos quais as vítimas estão carbonizadas, em alto grau de decomposição ou esqueletizados, situações que dificultam ou tornam impossível o recolhimento de materiais para identificação biológica tradicional, como o DNA e a impressão digital.

Selfie identifica o morto

O método utilizado na Odontologia Forense é o da comparação de exames de tomografia e radiografia do corpo a ser analisado e do indivíduo que se suspeita que seja a vítima. Isso é possível graças ao padrão específico que os dentes de cada pessoa possuem: todos eles têm tamanho, posição e formato específicos. Logo, ao se analisar o conjunto, é impossível que haja mais de um “dono” de arcada dentária, assim como ocorre com nossas digitais.

O processo é mais simples do que parece, mas por depender de fatores que antecedem o acidente ou crime sofrido pela vítima – a obtenção, por parte da perícia, de exames realizados em vida – nem sempre é possível que ele seja realizado. Esse impasse pode ser resolvido a partir do uso de fotografias do sorriso da pessoa tiradas ao longo da vida, e agora um estudo de pesquisadores do Laboratório de Antropologia e Odontologia Forense (OFLab), da Faculdade de Odontologia (FOUSP), prova que as famosas selfies também podem ser opções viáveis nesses casos, já que nesse tipo de foto o foco é no rosto da pessoa.

Em um artigo publicado na revista acadêmica Forensic Scienc International, o doutorando Geraldo Elias Miranda descreve um caso em que trabalhou durante sua atuação no IML de Minas Gerais: na ocasião, selfies disponibilizadas pela família do indivíduo foram utilizadas para a identificação do corpo, já que a vítima não possuía registros de tratamento odontológico.

As selfies tiradas em vida mostravam os dentes do indivíduo de diversos ângulos, o que possibilitou a comparação com as fotos tiradas do corpo carbonizado. Um delineamento dos dentes nos dois estados foi feito por meio de um programa de computador e, com a sobreposição dos dois, obteve-se um alto índice de correspondência.

Para o professor Rodolfo Francisco Melani, coordenador do OFLab, o trabalho do doutorando pode ser considerado uma técnica moderna a ser incorporada aos procedimentos tradicionais de identificação. “Esse trabalho em particular tentou mostrar que, cientificamente, faz toda a diferença esse aspecto comparativo de imagens. Embora não seja um recurso que tenha uma precisão tal como a tomografia, você pode fazer comparações num grau de detalhe bom.”

Contudo, ele ressalta a importância de se fazer uma abordagem criteriosa: “Essa incorporação é um avanço tecnológico, sem dúvida alguma, mas a leitura de um perito experiente e com a máxima isenção possível, que tenha um repertório onde consiga acompanhar e conhecer efetivamente a implementação de técnicas para esse propósito, é determinante para que se chegue a um resultado cientificamente correto.”

O tempo dita a técnica

A análise odontológica é um dos três métodos primários utilizados para a identificação de vítimas na área criminal, ao lado da análise de impressões digitais e do exame de DNA. Ramon Navarrete, aluno do terceiro ano de Odontologia e monitor no OFLab, explica que, se as prioridades são velocidade e baixo custo, a análise odontológica é a segunda mais viável, atrás apenas da análise da impressão digital – como o Brasil possui um banco de dados de cadastros biométricos, identificar pelas pontas dos dedos se torna mais rápido e barato.

Caso a técnica das selfies seja incorporada de forma mais efetiva, a identificação pela arcada dentária pode ser tornar ainda mais viável, dada a maior rapidez em comparação à utilização de exames.

Para Navarrete, a importância de se concluir um caso no menor tempo possível “é poder devolver para a família o momento deles, o luto, para eles poderem entrar no processo natural, encerrar o ciclo, enterrar, cuidar de toda parte burocrática, ao invés de continuar naquela angústia de saber se é ou não é, se continua procurando ou não. Você dá um fechamento para a família.”