Semana da Diversidade exclui faxineiras da discussão

Evento abordou racismo estrutural e a realidade de domésticas e faxineiras, mas não cogitou convidar as funcionárias da FMUSP

A Semana da Diversidade aconteceu na FMUSP de 12 a 18 de agosto

Por Gabriela Bonin

Às 20h do dia 14 de agosto, Maria finalizava a limpeza de um dos banheiros do segundo andar da Faculdade de Medicina da USP. A poucos metros, a III Semana da Diversidade da FMUSP dava espaço a três mulheres negras — uma ex-babá, uma empregada doméstica e uma pós-graduada em Direito — para discorrerem sobre racismo estrutural e a realidade das domésticas.

O debate abordou as condições de trabalho dessas profissionais da limpeza e arrumação, discutindo como o racismo se perpetua no Brasil. A conversa sobre marginalização tratou também das babás e faxineiras.

“Quem está no trabalho subalterno — aquele que ninguém quer fazer —  é a pessoa negra”, disse Janaína Costa, que compunha a mesa de discussões. Ela trabalhou como babá durante anos. Não por culpa dela, Maria, responsável pela limpeza, não soube da discussão que poderia ser tão próxima à sua realidade.

Discussão na FMUSP focou em evidenciar racismo, mas esqueceu parte dos protagonistas

A terceira edição da Semana da Diversidade foi organizada pelo Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC) e promoveu debates para abordar temáticas que acabam esquecidas durante a formação universitária.

Perguntada sobre o evento, Dinah, outra funcionária da limpeza, disse não saber que estava ocorrendo um debate sobre condições de trabalho semelhantes às suas: “Só somos convidadas a limpar”.

Lorraine Carvalho, outra participante do debate, fez uma abordagem a partir do Direito brasileiro. Falando sobre a PEC das domésticas, que garantiu jornada de oito horas diárias, Lorraine descreveu essas profissionais: mulheres negras, de ensino básico, responsáveis pela manutenção de uma família e moradoras de regiões periféricas.

A voz que se destacou no evento foi a de Regina dos Santos, de 56 anos, que ingressou no trabalho doméstico aos 11. Contou casos de assédio, discriminação e ações diárias que contribuem para a marginalização das domésticas. “É difícil ser considerada uma igual, ser tratada como uma igual”, disse.

As palavras de Regina fizeram com que alguém da plateia levantasse o seguinte questionamento: “A informação e o debate estão chegando nas pessoas?”.

Formada em História, a palestrante Janaína Costa afirmou que “temos que fugir do egoísmo de aprender na faculdade e deixar o conhecimento para nós mesmos”. E continuou: “Não adianta ficar conversando com quem já sabe sobre o que você está falando, enquanto aqueles que realmente deveriam ouvir e se conscientizar não estão lá”. Babá por muito tempo, ela verbalizou a contradição entre a existência da discussão e o acesso a ela.

Nalva Mello, aluna de Medicina, explicou que a divulgação do evento se deu em grupos de Facebook, veículos jornalísticos e no famoso “boca a boca”. Questionada sobre a possível inserção dos funcionários da faculdade no debate, sua expressão foi de surpresa e, após alguns segundos, comentou: “não pensamos nisso”.

Enquanto a discussão se desenvolvia, Maria e Dinah, negras e mães, esperavam o relógio marcar 21h, horário final do turno da limpeza a partir do qual estariam liberadas para voltar para casa.

Não será possível saber o que elas perguntariam se fossem parte da plateia da III Semana da Diversidade da FMUSP.