A Universidade não é prioridade dos candidatos a governador

O Jornal do Campus detectou ausência da USP, Unesp e Unicamp nos planos de governo de líderes das pesquisas eleitorais

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Ilustração: Tami Tahira

Por Caio Mattos, Letícia Tanaka e Pedro Vittorio

A USP, a Unesp e a Unicamp possuem autonomia financeira e administrativa desde 1989. Em fevereiro daquele ano, o Decreto 29.598/1989 estabeleceu que as universidades estaduais receberiam um repasse fixo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, o ICMS. Desde 1995 o valor é de 9,57%, dos quais 5,03% são destinados à USP, 2,34% à Unesp e 2,20% à Unicamp.

No entanto, a autonomia não é absoluta. O governador do estado de São Paulo tem o poder de escolher os reitores e vice-reitores das universidades estaduais. São feitas consultas à comunidade: docentes, discentes e funcionários opinam sobre as chapas que desejam ser eleitas. As três mais votadas são enviadas para o governador, na chamada “lista tríplice”. Em geral, as consultas são respeitadas e os seus resultados, mantidos.

Mas isso não é regra: em 2009, por exemplo, o reitor eleito foi o segundo colocado. João Grandino Rodas foi escolhido pelo então governador José Serra, sob o pretexto que “não conhecia bem” o ganhador da consulta, Glaucius Oliva.

Os governadores também influenciam em políticas públicas relacionadas às universidades, como os repasses para hospitais universitários e a oneração (ou não) de salários de aposentados.

A partir de entrevistas, debates e planos de governo, o Jornal do Campus analisou os seis candidatos que melhor pontuaram na pesquisa Ibope antes do fechamento, realizado no dia 18 de setembro.

João Doria

No programa do candidato do PSDB não há menção às palavras “USP” ou “universidade”. As únicas referências ao ensino superior em todas as 20 páginas dizem respeito, de maneira vaga, a assegurar o acesso ao ensino superior e atrelar o mesmo à pesquisa para melhorar o cotidiano paulista.

Em debate, ele declarou: “As universidades públicas de São Paulo são orgulho pelos serviços que prestam e pela excelência acadêmica, o que garante a elas reconhecimento internacional. Juntas, contribuem essencialmente com o desenvolvimento do nosso Estado, sobretudo pelo apoio irrestrito à pesquisa”

Ao JC, sua assessoria alegou que “o governo João Doria trabalhará de forma incessante para garantir a manutenção da autonomia financeira, pedagógica e administrativa das universidades. João Doria entende que as universidades são vitrines para fortalecer a formação dos futuros líderes do país em todas as áreas do conhecimento”.

Apesar de se posicionar a favor da autonomia financeira das universidades, o ex-governador de SP e candidato à presidência, Geraldo Alckimin, defendeu a redução da porcentagem do ICMS repassado para as instituições. Doria, do mesmo partido, não deixa claro em nenhum momento se pretende seguir a proposta.

Outra dúvida em relação ao candidato do PSDB é sobre a situação do Hospital Universitário da USP. Neste ano, a chapa tucana cerceou a aplicação de R$ 48 milhões de reais no hospital, que passa por uma grave crise de recursos desde 2016.

O Jornal do Campus tentou conversar com João Doria para tirar dúvidas sobre seu planejamento, mas o ex-prefeito de São Paulo não se mostrou disponível. A principal questão a ser colocada é: por que não há nenhuma medida direta e concreta aos estudante universitários em seu plano de governo?

Paulo Skaf

As universidades estaduais não são citadas no plano de governo do candidato do MDB. A menção mais próxima é ao programa de extensão Universidade Aberta à Terceira Idade, da USP, como exemplo de iniciativa ao idoso a ser valorizada. Enquanto isso, o ensino técnico possui um tópico próprio dentro do tema Educação.

A prioridade dada ao ensino técnico por Skaf, como em sua campanha, ofusca as universidades estaduais e pode apontar uma mentalidade tecnicista de educação. Perguntado se a graduação nas universidades públicas deveria aproximar-se do modelo dos cursos técnicos, Skaf não respondeu de maneira clara, mas destacou ser preciso “preparar os jovens para o novo mercado de trabalho”.

Quanto à pós-graduação, o candidato acredita que as pesquisas acadêmicas “precisam ser direcionada para as dificuldades que o estado enfrenta”. Logo, se entende que ele considera o modelo de pesquisa aplicada como sendo o ideal para a pós-graduação.

Skaf ainda afirma que “as universidades precisam se integrar com o setor privado”. Ele defende que “o setor privado se beneficia das inovações, as universidades recebem mais recursos para investimentos e os alunos aprenderão de forma prática e com bolsas”. A possibilidade de se comprometer o caráter autônomo e crítico do ensino e das pesquisas uma vez vinculados à iniciativa privada foi ignorada pelo candidato.

Perguntado sobre seleção de reitores, Skaf pretende manter o sistema de lista tríplice, pois “respeita a decisão da comunidade universitária”. Em relação à situação do Hospital Universitário, não há plano: “vamos encontrar uma solução”.

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Ilustração: Tami Tahira

Márcio França

O atual governador tem diversas propostas em relação às universidades estaduais paulistas. Em relação ao ingresso, seus planos incluem garantir cotas e ampliar o número de vagas em graduação e pós graduação na USP, Unesp e Unicamp, além da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP).

Seu maior enfoque é na Universidade Virtual do Estado de São Paulo. França ajudou a expandir o número de vagas da universidade de 3 mil para 55 mil no período de um ano. Afirmou diversas vezes, em debates, que dará a cada aluno formado no ensino público uma vaga na Univesp, até 2019. Para isso, a promessa é de mais 145 mil vagas. Alunos oriundos do ensino particular também terão oportunidade, mas disputarão vagas, ao contrário dos egressos de escola pública, que ingressariam sem prestar vestibular.

Seu plano de governo também inclui “dar apoio aos hospitais universitários”, o que soa contraditório: no mesmo mês em que assinou decreto formalizando a criação de um novo Hospital das Clínicas em Bauru, França vetou R$ 48 milhões de reais em verbas para o Hospital Universitário da USP, o HU. Também escolheu Marco Antônio Zago como Secretário da Saúde do estado, que afirmou: o HU “não era problema” dele.

Quanto à permanência, França cita a criação da Bolsa Atleta e a concessão de bolsas-auxílio. No que se refere aos professores, de um lado pretende melhorar os sistemas de avaliação de docentes universitários; do outro, conceder bolsas de estudo para que professores estaduais façam pós-graduação.

Um ponto chave de sua proposta é o fomento à pesquisa. França é um defensor da internacionalização da pesquisa científica paulista e do intercâmbio científico cultural. Também apoia startups de base tecnológica, o desenvolvimento e difusão de tecnologias de manufatura avançada, além de agricultura de precisão. Por fim, pretende “atuar para que as três universidades públicas de São Paulo estejam entre as 100 melhores do mundo”.

Luiz Marinho

Nas propostas de Luiz Marinho, podemos encontrar algumas promessas para as universidades. Democratização do ensino superior e permanência são as ideias voltadas diretamente para o ensino superior, entretanto também há menção do uso das universidades como prestadoras de serviços, principalmente no setor da saúde e pesquisa.

Em entrevista ao Jornal do Campus, Marinho declara que o foco dos programas de permanência será a Unesp, uma vez que a USP e Unicamp possuem programas próprios de auxílios. Estas, no entanto, serão também serão contempladas com um “fundo de permanência”.

O candidato pretende também alterar o Enem para o ingresso nas universidades. Mas isso não significaria o fim dos vestibulares: o petista explica que “a ideia é trabalhar com a lógica do Enem para compor no mínimo a metade das vagas de todos os cursos com alunos do ensino público”. Unindo isso à política de cotas federal, o candidato vê a medida como uma forma de inserir grupos excluídos do ensino superior.

Outra proposta que atende à demanda estudantil é a eleição direta para reitores: “creio que é um processo de democratização. A minha avaliação é de que quanto mais democracia, melhor para a democracia”, afirma.

Além das propostas diretamente voltadas aos estudantes, Marinho tem planos para o uso das universidades. A principal indicação é sobre o uso dos Hospitais Universitários, para agilizar o atendimento especializado. Voltar a investir no HU da USP é uma das promessas do candidato.

Por fim, há em seu plano de governo a ideia de articular as universidades, centros de pesquisas e o setor privado “para novos arranjos de fomento à pesquisa”. Isso significaria que a USP, assim como Unesp e Unicamp, passariam a receber investimento privado para realização de pesquisas “de forma coordenada a atender o interesse público”, para que o privado não se sobreponha e passe a comandar as pesquisas universitárias.

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Infografia: Bruno Menezes

Major Costa e Silva

O plano de governo oficial encontrado no site do Tribunal Superior Eleitoral está desatualizado. A versão oficial do candidato da Democracia Cristã (DC) está na página de Facebook. Valorização do desenvolvimento tecnológico atraindo a iniciativa privada, em especial na pós-graduação, é a principal preocupação de Costa e Silva.

Perguntado se apoiava um discurso tecnicista, ele respondeu que o incentivo às pesquisas aplicadas compensaria as áreas pouco requisitadas pela iniciativa privada, como a graduação de humanas: “conseguindo mais recursos, eu posso focar o investimento público no que não é de interesse privado”.

De qualquer maneira, a defesa dessa ponderação, mesmo tratada como um “equilíbrio”, implica na subjugação das ciências humanas como um “meio”. Embora Costa e Silva reconheça seu valor público, ele questiona o que as ciências sociais podem “produzir em termos materiais e econômicos”.

O candidato admite que a parceria com a iniciativa privada é passível de gerar corrupção e acredita que transparência, fiscalização e autonomia administrativa são suficientes para limitar a influência que grandes empresas passariam a exercer sobre as universidades públicas estaduais.

Sobre a ampliação de vagas nas universidades, outra de suas principais propostas, Costa e Silva pensa em valorizar os cursos mais demandados: “a gente precisa criar mais vagas em faculdades com aplicação técnica no mercado”. Adepto da meritocracia, ele prefere que as vagas sejam abertas para “ampla concorrência”.

O processo de seleção para a faculdade seria alterado também pelo apoio do candidato à chamada “escola sem partido”. No anteprojeto de lei estadual do programa, consta que cabe às avaliações para o ingresso no ensino superior “combater a doutrinação”, assim como às próprias universidades e ao processo de seleção de professores.

Costa e Silva vê o reajuste salarial dos docentes como uma função apenas do Legislativo, mas pretende valorizá-los através de, por exemplo, subsídio a intercâmbios acadêmicos. A manutenção da PM no campus fecha suas principais propostas.

Questionado sobre a situação do HU, o candidato acredita que o financiamento do hospital não se dê somente pela USP, mas também pela Secretaria de Saúde e pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação.

Professora Lisete

A candidata do PSOL, professora Lisete, é docente da Universidade de São Paulo e diz que seu marco é a educação. Ela apresenta propostas concretas para o estudante universitário. Uma das principais medidas é o aumento percentual do orçamento voltado para a educação, de 30% para 32%. A professora explicou, em entrevista ao JC, que haverá uma correção dos desvios do atual orçamento, em que 5% é usado para pagar aposentadorias da educação básica.

Ela ainda quer instituir bolsas de estudo para evitar a evasão estudantil. Aumento das bolsas de Iniciações Científicas e auxílios para moradia e alimentação são as principais propostas. Isso, afirma a candidata do PSOL, não exclui as bolsas já oferecidas pela USP.

O ingresso à universidade também é pautado pela candidata. O primeiro passo seria a implantação, de fato, das cotas previstas por lei. “Eu diria que a USP é a mais tímida universidade pública do Brasil em relação às cotas”. Ela ainda diz que pretende englobar pessoas do grupo LGBT+, dando atenção a homens e mulheres trans.

Para a comunidade acadêmica, profa. Lisete pretende aumentar o repasse do ICMS para as universidades, uma demanda antiga dos professores. O valor atual é de 9,5% e passaria a ser 11,5%. Isso geraria um aumento no orçamento da universidade para contratação de professores e funcionários, melhores salários e investimento em pesquisa. Esse dinheiro também aliviaria a situação do Hospital Universitário. A professora afirma convictamente que o hospital voltará a receber mais investimentos.

Ela também propõe a formação de Universidades Livres, que seriam resultado da articulação das Universidades, centros universitários municipais e faculdades para ir reduzindo gradativamente os cursos a distância. “Somos contra que o primeiro curso da graduação seja feito a distância. Você tem um tutor polivalente, que por mais dedicado que seja, acaba empobrecendo a sua formação”.

Por fim, a Lisete diz que o Estado deve se comprometer com o fomento à pesquisa usando o aparato existente da FAPESP. Segundo ela, a entrada do capital privado nas pesquisas universitárias comprometem e direcionam os trabalhos da universidade.