Incêndio do Museu Nacional afeta pesquisas da USP

Reportagem do JC conversa com pesquisadores cujos objetos de estudo foram queimados

Maria Mercedes Okumura, do IB
Maria Mercedes Okumura, pesquisadora do Instituto de Biociências (IB), apresenta visão pessimista sobre a postura do governo. Foto: Laura Molinari

Por Maria Clara Rossini

O incêndio do Museu Nacional prejudicou pesquisas de diferentes instituições brasileiras e, como não podia deixar de ser, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), de diferentes níveis e áreas, também foram afetados. Por enquanto, eles buscam alternativas para continuar os estudos frente ao cenário incerto.

Maria Mercedes Okumura, atual coordenadora do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências (IB), tem dois alunos que estão terminando suas teses com material do acervo do Museu Nacional. O IB participou de estudos que lançaram Luzia, o fóssil humano mais antigo da América, que mudou a compreensão da chegada do homem ao continente, ao mundo.

Segundo a pesquisadora, “em qualquer departamento, como zoologia ou paleontologia, é difícil não encontrar projetos e exemplos de pessoas envolvidas. Porque realmente eram coleções muito grandes e ricas formadas desde o século 18”.

Os estragos causados vão além da perda histórica e educacional. Significa uma privação de dados e informações para o futuro. Novas ferramentas tecnológicas de análise de DNA antigo permitiriam uma investigação mais profunda acerca não apenas dos primeiros ameríndios e da própria Luzia, mas principalmente de acervos extremamente importantes e únicos no museu.

Além das perdas imediatas causadas pelo incêndio, resultando na alteração e paralisação de muitas pesquisas, a pesquisadora do IB cita os prejuízos à credibilidade e confiabilidade das instituições nacionais na guarda de acervos. “Será que pesquisadores estrangeiros vão se sentir à vontade para colaborar conosco ou para trazer materiais deles para ficarem nos museus brasileiros, seja temporariamente ou como uma guarda definitiva?”

Infográfico museu
Infográfico: Bruno Menezes e Caio Mattos

Variedade perdida

A professora Veronica Wesolowski, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE), que descobriu sua vocação no Museu Nacional, trabalha em conjunto com alunos investigando a transição alimentar e especificidades no período da gestação, aleitamento e infância de grupos sambaquieiros.

Trata-se de sociedade que viveu no litoral do país há cerca de 6 mil anos. A pesquisa tinha como base a análise da dentina presente nos esqueletos que agora viraram escombros do Museu Nacional.

Ele detinha a maior coleção de sambaquieiros do Brasil, com cerca de 3 mil exemplares. O segundo maior acervo está no MAE, mas tem apenas um sexto do que guardava o museu do Rio. Além do acervo numeroso, o Museu Nacional também possuía esqueletos de diferentes épocas e grupos.

Para a arqueóloga, “os indivíduos que estão preservados no MAE são de outras pessoas, de outros momentos. Eles são um grande grupo como todos nós, mas no fundo existem pequenos grupos dentro de uma grande população. É um pouco dessa variabilidade que se perdeu”.

“O museu não é uma vitrine onde eu coloco peças interessantes. Ele é um centro de vida intelectual, de produção de conhecimento, de formação de novas gerações”

– Veronica Wesolowski,

Arqueóloga

Sem museu, principal objeto de estudos é perdido

Algumas pesquisas tinham como tema não só o acervo do Museu Nacional, mas ele próprio.

O docente Camilo Vasconcellos, também do MAE, estuda as representações das sociedades indígenas em museus latino-americanos. Ele pretendia investigar as exposições do Museu Nacional da Colômbia e do Museu Nacional do Rio de Janeiro. As alternativas agora são procurar imagens das exposições ou trocar de museu. “Pensar em um outro museu que tenha acervo indígena e exposições sobre indígenas tão importantes quanto o Museu Nacional vai ser difícil.”

Juliana Pons, mestranda de Camilo, também pesquisa o Museu Nacional, mas com o enfoque na educação. O setor educativo do museu é o mais antigo do Brasil, com 91 anos. O objetivo da pesquisa é traçar um paralelo entre esse setor e evento da Unesco que abordou a função educativa dos museus.

Camilo Vasconcellos e Juliana Pons, do MAE
Camilo e Juliana buscam alternativas para continuar pesquisas. Foto: Laura Molinari

“Eu tenho muita relação afetiva com o Museu Nacional. Foi o primeiro que eu me lembro de ter visitado. Foi como se eu estivesse perdendo um parente”. Quando questionada sobre como continuar a pesquisa após a tragédia, a pesquisadora não teve dúvidas: “Mais do que nunca eu quero falar sobre o Museu Nacional. Não sei como. Não sei em que medida. Mas eu quero falar”.

Descaso deve continuar

Alguns dos fatores que contribuíram para a propagação do incêndio no Museu Nacional foram a falta de equipamentos de segurança e de planejamento para incidentes. Extintores, portas corta-fogo, detectores de fumaça e hidrantes abastecidos são apenas alguns dos itens ausentes que poderiam ter minimizado o desastre.

Os pesquisadores entrevistados pelo JC acreditam que a postura dos governantes com relação aos museus pouco irá mudar após a tragédia. “Uma liberação de verba imediata vai ser importante para reconstruir o prédio, mas jamais recuperar coleções destruídas”, afirma Okumura, do IB.

Segundo Paulo de Blasis, diretor do MAE, os museus da USP não são precários como o Museu Nacional. “Nossas condições, em alguns casos, estão longe de serem perfeitas, mas existe uma preocupação com isso. Aqui no MAE, as condições são bem razoáveis”.

Apesar de estarem bem equipados, o diretor não hesita em pontuar: “O aval do Corpo de Bombeiros, ninguém tem, nenhum dos quatro museus. Conseguir esse aval é uma coisa complexa”.

MAE ajuda Museu Nacional

Após o incêndio, o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE) disponibilizou laboratórios e acervo a pesquisadores do Rio para que eles possam continuar seus trabalhos. Diversos departamentos da USP soltaram notas oficiais em solidariedade.

O caminho da ajuda mútua parece ser o mais viável no momento, enquanto medidas oficiais tomadas às pressas desagradam grande parte da comunidade científica. Em 11 de setembro, o governo federal extinguiu o atual Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e instaurou a Agência Brasileira de Museus (ABRAM).

Para Paulo de Blasis, arqueólogo e atual diretor do MAE, a medida foi tomada repentinamente e sem consultar a comunidade museológica. Os pesquisadores se posicionaram contra a decisão. Entre os motivos, há pouca clareza sobre as reais consequências da medida.