A reitoria não gosta de samba

Ações da universidade têm barrado os ensaios das baterias e a falta de diálogo dificulta a solução

As barreiras colocadas aos ensaios prejudicam o desenvolvimento dos grupos em competições. | Foto: Giovanna Christ

Por Giovanna Christ

Criado por descendentes de escravos na região chamada “Pequena África”, no Rio de Janeiro, quem iria gostar dessa música? O samba, fortemente perseguido pela imprensa e política desde a Primeira República, segue sofrendo ataques. Mas, agora, de um modo mais velado.

Estamos em 2018, quase cem anos depois do fim da Primeira República, na Universidade de São Paulo e o samba aqui não é chamado pelo nome, e sim frequentemente referido como barulho, ruído ou baderna.

O principal motivo é que não há lugares que comportem todas as baterias universitárias, que aumentam constantemente. Elas ensaiam nos pequenos intervalos de horários que foram estipulados para que o barulho tente tomar ordem e possa se dignar a ser chamado de samba.

Faz quase um ano que, para a surpresa de todos os alunos “batuqueiros”, foi emitida, pela reitoria, a Resolução nº 7443, que restringia os horários e locais dos ensaios, exigindo ainda documentação de cada aluno integrante dos grupos de percussão.

Em nenhum momento os participantes das entidades foram consultados, chocando os alunos com regras que não consideravam os tamanhos das baterias, entre outras desconsiderações, por falta de diálogo e consulta à comunidade.

Reação

Logo depois da emissão da resolução, foi criada a BAUSP, as Baterias Aliadas da USP. Esse grupo, composto por 19 baterias universitárias dos campus de São Paulo, foi formado para tentar, de algum modo, construir um diálogo eficiente com a reitoria e a Prefeitura do Campus para viabilizar as demandas dos alunos.

Após quase um ano desde a emissão da resolução da reitoria e da organização das baterias em grupo, nada foi resolvido. Os ensaios continuam a ser interrompidos pela guarda universitária e os grupos são expulsos dos lugares em que ensaiam por causa do barulho que atrapalha aulas, estudos e os moradores do CRUSP.

Com a intenção de amenizar as polêmicas e demonstrar apoio à comunidade das baterias, a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária organizou o workshop “O samba da nossa terra”, em parceria com o diretor da escola de samba Vai-Vai, e o jornalista Maurício Coutinho, comentarista e produtor de eventos carnavalescos. Além disso, foram organizados painéis fotográficos com a temática do samba e uma oficina prática sobre os instrumentos que compõe uma bateria.

O lugar do samba

“Se está havendo uma atividade em que os alunos aderem com bastante entusiasmo, se dedicam, deve ter alguma coisa ali que possa ser incorporada pela instituição, resultando em um projeto que não beneficie só uma atividade, mas que ele possa realmente significar alguma coisa”, disse o professor de educomunicação da ECA, Marciel Consani, que vem tentando compreender a realidade dos alunos que participam das baterias universitárias e construir projetos que as envolvam.

Logo depois dessa demonstração de reconhecimento por parte da universidade, uma emenda proposta pelos estudantes foi recusada por falta de estudos científicos sobre os decibéis emitidos pelas baterias em diversos locais da USP.

No entanto, um estudo com esse conteúdo foi produzido pelo engenheiro Eduardo Murgel e nele, com as medidas de um decibelímetro calibrado, foram medidos os decibéis que os ensaios produzem em várias distâncias. Murgel concluiu que não existem lugares no campi Cidade Universitária adequados para os ensaios de grupos de percussão que respeitem as normas de nível de ruídos da legislação brasileira para áreas residenciais e estudantis.

Tendo o resultado desse estudo, a reitoria deve pensar formas de solucionar o problema de espaços, apontando locais possíveis para ensaios e apresentações, também apontados pelo estudo.

Desde junho, a BAUSP aguarda a resposta da Prefeitura do Campus sobre um mapa que foi requisitado com os locais de ensaio desejados pelos ritmistas. Enquanto isso, os grupos ensaiam em horários restritos e sua atividade é prejudicada.

As linhas pontilhadas contém o valor em dB(A) medidos da Praça do Relógio. O limite de ruído para conforto acústico em área de escolas é de 50 dB(A) no período diurno e 45 dB(A) no noturno. (Fonte: Eduardo Murgel) | Arte: Giovanna Christ

E como resolver?

O reconhecimento por parte da USP de que as baterias existem é um grande passo. “Antes éramos um grupo clandestino que ensaiava lá e cá. Hoje somos regulamentados”, disse Maísa Ribeiro, atual presidente da BAUSP. Mas ainda falta uma integração com a faculdade.

“Ao invés de ser uma atividade que praticamente concorre com as atividades pedagógicas, de gestão e de pesquisa, o fato da USP conseguir encaixar as baterias dentro de uma atividade de extensão poderia ser benéfico tanto para a universidade,  quanto para os alunos que participam das baterias”, diz Marciel, pesquisador da ECA.

O professor de educomunicação também cita a importância da musicalização dos alunos que integram as baterias, aprendizado fundamental no desenvolvimento intelectual do ser humano.

Um exemplo — quase completo — de sucesso das baterias dentro da universidade vem da vizinha UFABC. A bateria composta pelos alunos, a Infanteria, era considerada um projeto de extensão e ganhava bolsa mensal por parte da faculdade até 2015. Além disso, os alunos integrantes recebiam horas complementares em seu currículo.

Mesmo enfrentando problemas de espaço de ensaio, existia uma parceria entre graduação e música. Porém, três anos atrás, a documentação de renovação do projeto não foi feita e hoje, essa colaboração não existe mais.