Acorda, CRUSP! O fascismo bate na porta

Por Wender Starlles

“Moradora x, bucetuda”, “arrombado do cuzão, morador y”, “volta para a Bolívia”: essas foram frases marcadas em portas de apartamentos do CRUSP (Conjunto Residencial da USP), na noite de terça-feira (16). Os dizeres com conteúdo misógino, homofóbico e xenófobo, foram o prelúdio para um crime ainda mais intimidador, que seria realizado e descoberto dali poucas horas.

No calar da madrugada de quarta-feira (17), tudo estava quieto, as andanças pelas escadas e corredores eram mínimas. Foi quando o criminoso decidiu agir. Aproveitando-se dessa coincidência de fatores, desconhecidos fizeram a marca do regime nazista em cinco portas e uma parede do bloco A.

Após o delito, o criminoso (seria só um?) saiu do mesmo jeito que entrou, sem ser visto por ninguém. Ou talvez só tenha voltado para seu dormitório, ali mesmo no prédio. O único porteiro de plantão naquela madrugada não notou nenhuma presença estranha. Segundo ele, tudo aparentava estar normal.

Ao amanhecer na quarta-feira, os moradores se preparavam para a rotina. Aquele dia tinha tudo para ser comum: acordar cedo para ir à aula, esperar o elevador — para os mais dispostos, a escada é sempre a melhor solução — , passar no bandejão para tomar um café reforçado, ir ao trabalho. Porém, algo não estava mais igual.

Ao encontrarem suásticas nas portas, o medo acrescido de incredulidade se instaurou. “Não acreditei que isso tinha ocorrido”, disse um morador que preferiu não se identificar — questionado sobre o motivo das imagens, ele respondeu ter receio da porta do seu apartamento ser vandalizada em forma de represália.

Ele, eles? Quem?

Quem teria cometido tal ato? A pergunta paira nas rodas de conversas. Como não há câmeras no CRUSP, isso dificulta possível identificação do autor — infelizmente, ele sairá impune.

Grupos de Whatsapp e Facebook pipocavam de depoimentos a todo momento, não se falava em outra coisa. Estudantes que foram diretamente afetados, demonstravam sua indignação e recebiam apoio de outros. “Como pode a melhor universidade da América Latina ser vítima de uma conduta tão abominável?”, indagou um internauta num post compartilhado mais de cem vezes.

“Sou trans, morei no Crusp e enfrentava fascistas uspianos nos anos 90. Sempre sozinha. Força, companheiros!”, comentou ex-aluna solidarizada com a situação.

No início da tarde, a notícia das suásticas havia se espalhado e grandes veículos de comunicação puseram seus repórteres em campo. As manchetes das matérias publicadas naquele dia traziam dados alarmantes: em menos de 24 horas, quatro universidades registraram casos semelhantes ao da USP.

A cena do delito estava ali, a cada lance de escada subido era um novo espanto: uma, duas, três, seis suásticas. Alguns moradores chegavam em seus apartamentos e se deparavam com pessoas desconhecidas fotografando suas portas. Não bastasse a exposição das frases, agora era a invasão dos curiosos — e jornalistas.

Um escapou

Entre as portas, uma destacava-se bastante pelas cores vibrantes que chamavam atenção de longe. Toda decorada com desenhos e uma bela cortina verde pendurada, ela fugia do padrão cinzento da vizinhança.

O cuidado com os detalhes que compunham a entrada era nítido. Esse cuidado pode ter sido determinante para evitar a pichação da porta. Não havia espaço para o criminoso deixar a marca. Então, decidiu rabiscar a parede ao lado.

Alexandre Rdash, 29 anos, é um dos residentes do apartamento. Educado, convidou-nos a entrar em sua casa. Ele relatou que quando viu a suástica, logo pensou estar sofrendo uma ameaça por ser LGBT, negro e periférico.

Mais uma vez, o medo estava presente na conversa. Sobre as circunstâncias político-sociais da questão, Rdash comenta. “Para mim não parece um caso isolado, ainda mais se tratando da situação que estamos vivendo hoje, onde as pessoas estão à vontade para fazer esse tipo de manifestação”.

Naquele quarta-feira as pessoas foram dormir temerosas.

Ficando espertos

Em assembleia realizada no CRUSP, na mesma semana, algumas decisões importantes foram tomadas,como a formação de comissões encarregadas por criar uma rede conectando moradores de todos os blocos.

Grupos de WhatsApp, tão comuns, não foram criados, pois há o medo de ocorrer perseguição. Optou-se pela utilização de emails e relatos ao próprio grupo do conjunto residencial no Facebook.

Além disso, um comitê antifascista foi implementado. Algumas ações estão sendo postas em prática, como é o caso das rondas de vigílias no bloco A, com o objetivo de flagrar o criminoso, caso ele apareça. No primeiro dia, funcionou bem, mas faltam voluntários.

Também serão pintadas frases nos blocos A e F — extremos — , para demarcar que naquele espaço não será tolerado nenhum ato fascista.  “De alguma forma essas suásticas mobilizaram as pessoas e fizeram elas se aproximarem. Iremos fazer um tipo de defesa mais articulada”, disse a Associação de Moradores do Crusp (AmorCrusp).