Cotas aumentam, assim como as dificuldades de permanência

Cursos terão que cumprir cota mínima a partir deste ano; antes, conta era feita por institutos, escolas ou faculdades.

Por Giovana Constanti

Em 2017, a USP aprovou a abertura de 1.088 vagas para alunos de escolas públicas, entre as quais 745 deveriam ser ocupadas por pretos, pardos e índios. Neste ano, pela primeira vez em sua história, a Universidade recebeu alunos cotistas ingressantes pela Fuvest. Até então, o vestibular oferecia apenas bônus aos estudantes de escolas públicas, para além do Enem.

Foi assim que Mayara Lima, 25, negra e ex-aluna de uma escola pública na zona leste de São Paulo, resolveu tentar, mais uma vez, o vestibular da Fuvest.  Ela completa o segundo ano em um cursinho comunitário, na região central de São Paulo.

São três horas por dia no transporte público e ela espera que no ano que vem o trajeto seja outro: “da borda de São Paulo para a Pinheiros”, conta ela, referindo-se à forma como a Faculdade de Medicina da USP é chamada.

Depois que completou o ensino médio, ela tentou ingressar na USP. Não conseguiu. Resolveu cursar enfermagem em uma faculdade particular à noite, enquanto trabalhava de dia.  “A maioria das pessoas que passa por essas dificuldades são como eu: pretas e pobres”.

Com a decisão da USP, Mayara viu suas chances aumentarem. Hoje, tem esperança de que as cotas da Fuvest a ajudem a chegar lá.

Metade virão da escola pública

Entretanto, a USP ainda precisa avançar na inclusão. No final de agosto, o portal de notícias G1 obteve dados mostrando que a Faculdade de Medicina não alcançou a meta de cota racial para 2018. Pelo menos 35 dos calouros dos cursos da unidade deveriam ter vindo de escola pública, especificamente pretos, pardos ou indígenas. No entanto, o número chegou a 33.

Pelo ingresso via Sisu, a disparidade foi maior: para os estudantes que realizaram a avaliação do Enem, 31 vagas, das 40 disponibilizadas para cotistas, não foram preenchidas. Isso porque a nota mínima exigida pela USP foi de 700 pontos em cada área de conhecimento.

A Universidade declarou que, considerando todos os cursos, a proporção mínima determinada pela política de cotas foi atingida. A reitoria divulgou, porém, que haverá mudanças no sistema de cotas para seleção da Fuvest em 2019.

A partir de agora, 40% alunos deverão vir de escola pública; desses, 37,5% deverão compor o grupo de pretos, pardos e indígenas. Além disso, cursos específicos terão que cumprir uma cota mínima e não institutos, escolas e faculdades, como funcionou até agora.

De acordo com a pró-reitoria, as vagas separadas para alunos de escolas públicas por curso vão subir para 45% em 2020 e para 50%, em 2021.

Permanência é a questão

Um aluno de Medicina, que preferiu não se identificar, acha que a questão da permanência tem sido negligenciada pela USP. Na sua opinião – que corrobora com as críticas feitas pelos movimento negro da Universidade –  há muito destaque à implementação das cotas, mas não se preocupa com que o aluno tenha um bom aproveitamento do curso e, de fato, se forme.

Ele ainda contou que, apesar das conquistas, ainda há muito para avançar. “Não notei grandes diferenças de um ano para o outro. Ainda vejo pouca gente como eu, de baixa renda. Negro, então, é muito difícil”.

Segundo ele, a falta de alunos vindos de escola pública incide na formação. “Quando a gente tem aula de Saúde Pública e vai falar sobre o SUS, dá pra contar em uma mão as pessoas que são usuárias do sistema público”, explicou. “Como é que vamos formar médicos para a maioria do povo se os alunos mal conhecer a realidade do SUS?”.

Ele percebe alunos oriundos de escolas públicas, principalmente os negros, desistindo. “A maioria tem que trabalhar e depende de bolsas. Se elas continuarem a ser cortadas, como fica?”, indagou.

Investimentos caem

Os últimos dados divulgados pela USP sobre o investimento em permanência estudantil são de 2016. Segundo o Anuário Estatístico, naquele ano os gastos com auxílios socioeconômicos aumentaram 3,84%. Entretanto, a variação não acompanhou o custo de vida na cidade de São Paulo, que cresceu quase o dobro no mesmo período, 6,15% segundo o DIEESE.

Os dados também mostram que alguns auxílios específicos, e importantes, caíram ou estagnaram. O número de vagas em moradia estudantil não mudou e o apoio ao transporte diminuiu: eram 2.212 alunos beneficiados em 2015; no ano seguinte, 1.595.

Em 2015, as bolsas de Iniciação Científica, que abrange principalmente os alunos da graduação, somavam 2.444. No ano seguinte, caíram para 2.255. O aluno de medicina entrevistado relatou que dependia de uma dessas bolsas que foi cortada. Ele teve que desistir do projeto de Iniciação Científica.