Saída da população diminui pressão interna na Venezuela

Por Letícia Tanaka e Wender Starlles

A crise econômica e social que aflige a Venezuela desde 2017 provocou um novo fluxo migratório inédito na América do Sul: mais de 2 milhões de venezuelanos deixaram seu país em busca de melhores condições de vida, e projeções mostram que este número tende a crescer nos próximos anos. O principal destino é a Colômbia, mas países como Equador, Peru e Brasil também têm recebido parcelas dessa população.

Eles fogem do aumento de preços, da falta de acesso aos serviços públicos essenciais e dos altos preços de produtos básicos, como alimento. Dados mostram que os cidadãos venezuelanos obtiveram uma perda média de 11 quilos por pessoa nos últimos meses. Além disso, a Venezuela passa por uma crise política. O governo de Nicolás Maduro tem repreendido fortemente as manifestações da oposição e de insatisfação popular, aumentando a violência no país.

O governo venezuelano, por outro lado, não tem tomado providências para minimizar a saída de sua população. O professor Alberto Pfeifer, Coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, afirma que Maduro tem “deixado que a população saia do país, porque com isso reduz-se a pressão social sobre o governo. Não há nenhuma medida de fato concreta para minimizar a enorme crise social que flagela essa população”.

Países que recebem venezuelanos têm seguido o protocolo de recepção de refugiados, conforme é definido pelo órgão das Nações Unidas correspondente à essa situação, a ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). Os direitos fundamentais dessas pessoas devem ser asseguradas pelos países receptores.

Cada país, entretanto, tem lidado com essa questão à sua maneira. Segundo o coordenador do Gacint, “não há ainda um movimento concertado dos países sul-americanos de recepção a esses refugiados à maneira como se verificou na Europa, por exemplo”.

Rotas de fuga

A principal rota dos refugiados venezuelanos é a Colômbia. Isso ocorre, segundo Pfeifer, devido ao fato de o país possuir a maior fronteira viva com a Venezuela. São 2000 quilômetros de contato entre as duas nações, com diversas comunidades perto dos limites. Historicamente, sempre houve intenso intercâmbio de populações entre os dois países e isso é um motivo pelo qual a Colômbia recebe bem os novos refugiados. Em momentos passados, quando vivia uma guerra civil, muitos colombianos migraram para a Venezuela.

Equador e Peru também são opções de fuga. A proximidade territorial e de língua os tornam atrativos. Entretanto, esse novo fluxo surpreendeu as autoridades governamentais desses países, o que gerou uma reação negativa ao refugiado. “Pouco a pouco isso tende-se a normalizar, a partir do momento que esses países se adequarem à essa onda migratória”, explica o professor do IRI.

Cada país lida com a situação conforme suas legislações nacionais e disponibilidade de recursos. Mas países com menos recursos e com um alto fluxo de imigrantes alegam estar sofrendo uma sobrecarga em seus sistemas públicos para atender os recém chegados. Os três maiores receptores pediram, em 29 de agosto, ajuda a países e órgãos internacionais para melhorarem seus serviços.

Brasil não passa por crise

Com pouco mais de 12 mil habitantes, Pacaraima, situada ao norte de Roraima, tornou-se a grande porta de entrada de venezuelanos no Brasil. A pequena cidade ganhou visibilidade após virar palco de uma intensa onda de violência, tensão e casos de xenofobia.

Milhares de pessoas entraram em Pacaraima e, de acordo com projeções do IBGE, o fluxo migratório só tende a aumentar. Dados indicam que nos próximos quatro anos a taxa de imigrantes venezuelanos dentro do território brasileiro irá dobrar: em 2022, serão aproximadamente 80 mil.

Segundo Pfeifer, “a vinda de imigrantes de países hispânicos e ibéricos é boa na perspectiva estratégica, eles são facilmente incorporáveis pela sociedade. Não será por algumas centenas de milhares de estrangeiros jovens dispostos a trabalhar que o Brasil terá problemas ”.

Ao atravessar a fronteira, muitos deixam seu passado para trás e trazem, além dos poucos pertences, a esperança de um futuro mais estável. Contudo, encontram aqui um cenário caótico de uma população que não está disposta a recebê-los, por medo de terem seus empregos roubados e serviços públicos saturados.

Entretanto, Pfeifer faz o alerta: “temos que tomar cuidado. A imprensa desvirtua um pouco essa visão. O governo de Roraima tem lidado com esse tema de maneira equilibrada. Dizer que há uma crise é uma falácia”.

Diante do afluxo de imigrantes em condições paupérrimas, forçados a dormir nas ruas ou em busca de comida no lixo, “muitos dos roraimenses acolhem e ajudam. Um ou outro caso isolado cria a sensação de xenofobia”, diz o Pfeifer.

Essas aversões são mais perceptíveis em regiões pobres, como é o caso de Roraima. Segundo dados do IBGE de 2015, o estado tem o menor PIB do país. Pfeifer analisa: “basta apenas haver um estratagema de internalização desses imigrantes para outros estados do Sul, Sudeste e Nordeste”.

Apesar de ser um problema novo, com cerca de dois anos, o Brasil deve pensar a longo prazo. Em outubro, ocorrerão as eleições presidenciais e a maioria dos partidos têm fugido da discussão sobre a questão migratória.

Para Pfeifer, nenhum candidato possui proposta efetiva ou permanente para a resolução do impasse. “É um processo ainda em construção, o Brasil é uma sociedade de absorção formada por imigrantes que têm lidado com a recepção dos estrangeiros muito bem. Não será agora que nos distanciaremos da nossa vocação universalista”.