“Se não nos desafiarmos a dialogar, não haverá virada”

Guilherme Boulos propõe dialogar com eleitores de Jair Bolsonaro. Na Universidade, grupos de panfletagens têm sido organizados desde o fim do primeiro turno.

Imagem: disponível no instagram @viravoto

Por Giovanna Costanti

Tudo mundo conhece – se não for este seu próprio caso – alguém que, durante o primeiro turno, desfez amizades no Facebook, bloqueou colegas nas redes sociais e saiu de grupos de Whatsapp. O rompimento de laços ocorreu no mundo virtual e nas relações reais. Pareceu mais fácil a interrupção do diálogo.

Neste segundo turno, cresce o número de pessoas que resolveram dar um basta no silêncio e enfrentar as dificuldades do diálogo com o “outro”. Apesar dos atritos, amizades também foram refeitas nas redes sociais, grupos de Whatsapp receberam de volta antigos membros e relações foram retomadas no mundo real. Tudo isso com um intuito: virar votos. A tática? O diálogo.

“Se nos próximos dez dias a gente não se desafiar a dialogar com essas pessoas, não haverá virada”, afirmou Guilherme Boulos, ovacionado por mais de mil estudantes em um evento na FFLCH, na terça-feira 16.

“Temos que ir além dos nossos círculos, das nossas bolhas. Temos que desmistificar o Bolsonaro, porque ele vendeu uma farsa para as pessoas. Em um momento como esse, fazer coro com o antipetismo é fazer o jogo de Jair Bolsonaro. É preciso ter lado e coerência”, afirmou.

Boulos foi à USP para falar da ameaça do fascismo e de como dialogar com eleitores de Bolsonaro. O segundo turno se aproxima e com as pesquisas indicando a liderança do candidato. Uma delas mostrou que metade dos eleitores veem possibilidade de uma nova ditadura.

Entender o outro
Segundo Boulos, é importante entender quem é o eleitor de Jair Bolsonaro. “A maioria dos seus eleitores não têm nada de fascista. A maioria não é racista, não é misógino e não compartilha das ideias de ódio. Muitas vezes votam nele apesar das ideia dele e não por elas”, explica ele. “Bolsonaro é um produto perverso da crise da democracia brasileira.”

Para a população jovem e periférica, que sofreu com a crise econômica, com o aumento da violência e que pretende votar em Bolsonaro, o discurso de que tudo pode ser resolvido facilmente, convence. Boulos explica que, nesses casos, alguns temas devem ser centrais na conversa, como segurança pública, economia e corrupção.

“Chegar para essas pessoas e chamá-las de fascistas não vai resolver nosso problema”, orientou. “Nós temos que dizer que Bolsonaro é deputado há 28 anos e só aprovou dois projetos. Recebeu mordomias, recebeu auxílio moradia tendo casa, tinha uma funcionária fantasma até outro dia”.

Para Boulos, o candidato do PSL simboliza a velha política, de privilégios e favores. “Nós temos que dizer isso para as pessoas, mais do que chamá-las de fascistas.”

O representante do PSOL sugere ainda relembrar as votações do Bolsonaro no Congresso, mostrando que o deputado votou contra a PEC das empregadas domésticas, votou com Temer pela reforma trabalhista, pela terceirização e por congelar investimentos sociais por 20 anos no Brasil.

Para Boulos, o discurso da violência é um dos que mais precisam ser combatidos. Citando os casos de Mestre Moa, capoeirista morto a facadas por declarar o voto no PT, e a transsexual morta no Largo do Arouche por eleitores do Bolsonaro, Boulos afirmou que “quando a mensagem que vem de cima é de violência, isso empodera todas as mentes autoritárias”.

#ViraVoto
Desde o início da campanha do segundo turno, brigadas populares começaram a se espalhar pela internet com o intuito de organizar panfletagens nas ruas de todo o Brasil. Ficou claro, que, online ou no cotidiano, tática é virar voto por meio de conversa e muita paciência.

No instagram, a conta “Vira Voto” tem reunido centenas de depoimentos de pessoas que votaram em Bolsonaro no primeiro turno, mas decidiram mudar, além de pessoas que convenceram eleitores do candidato do PSL ou que repensaram a anulação do voto.

“O cobrador do ônibus que eu peguei pra voltar para casa não sabia que a reforma trabalhista já tinha sido aprovada e mudou de voto quando soube que o Bolsonaro votou a favor”, conta um dos relatos.

Em outro, lemos o seguinte: “Minha vó tinha o pensamento de que a ditadura foi boa. Mostrei o vídeo sobre as torturas na época e ela ficou estarrecida. Depois mostrei as notícias sobre as fake news do Bolsonaro.Ela mudou de opinião.”

Segundo os relatos, muitas pessoas têm ido para saídas de estações de trem, metrô e praças públicas, gastando horas na tentativa de abrir um espaço para a conversa. “Fui com um grupo da USP fazer panfletagem. Foi bem complicado explicar para algumas pessoas que tem a cabeça ‘feita’. Conseguimos, depois de 1h30, convencer uma senhora que não iria votar, a votar”, narra outro relato.

Os principais empecilhos descritos pelos posts da hashtag são as notícias falsas e os boatos, que dificultam a conversa. Por isso, a página também mantém em destaque materiais que esclarecem notícias falsas.