Sem poder estagiar, alunos obtém renda com bicos

Vender roupa, lanche, brigadeiro, cadernos, cortar cabelo são algumas das soluções dos estudantes

Por Bruno Nossig

Quando a estrutura de cursos da USP ignora a necessidade de renda de muitos alunos, seja pelas aulas integrais ou impedindo estágio no início da graduação, o jeito é se virar para sobreviver. Com o aumento das cotas, cada vez mais estudantes têm que se submeter a subempregos ou a trabalhos em áreas pouco relacionadas à graduação.

Recentemente, a Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP) mudou a política de estágio: ele pode ser feito apenas no terceiro ano em até seis horas diárias. A justificativa dada pela unidade é que os alunos estavam focando mais no estágio do que nos estudos de graduação, além de se tornarem mão de obra barata.

Sem estagiar formalmente, muitos alunos trabalham em empregos diferentes das áreas de formação, como Harley Pinheiro, estudante de primeiro ano, que não pode estagiar pela FEA. Ele encontrou emprego como administrador de um restaurante, mas foi obrigado a pedir demissão por não conseguir conciliar as aulas com o trabalho.

Existem casos em que os estudantes conseguem estagiar, mesmo não se encaixando nos pré-requisitos. Bianca Ortega, aluna da Escola Politécnica, teve seu estágio rejeitado pelo coordenador da Engenharia Ambiental, mas  ela conseguiu a aprovação após um longo processo na Comissão de Graduação.

A unidade só permite estágio de 30 horas semanais no último ano do curso, mas a aluna ainda precisava de um ano e meio por conta de dependências em sua grade. “Eu quase perdi a vaga mesmo, e se não estagiasse, seria obrigada a largar o curso”, contou Bianca, que não conseguia se manter estudando apenas com as vendas de brigadeiro e lanches.

Outros casos

O curso de Psicologia é integral e, apesar de alguns ajustes da grade, costuma ter aulas das 8 até 17 horas. “O curso não permite, da forma como está montado hoje em dia, que ninguém estagie ou trabalhe, a não ser que tranque matérias”, afirmou a aluna Mariana Stéfano.

O mesmo problema existe na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). O estágio é permitido apenas no terceiro ano, o que faz os alunos ingressarem em subempregos e venda de diversos produtos dentro da Universidade.

Ben Gonçalves, estudante de arquitetura, trabalhou em uma pizzaria nos finais de semana para ajudar financeiramente a família. O aluno deixou o emprego após conseguir uma bolsa de cultura e extensão, que garante cerca de R$ 400, mas passou a vender cadernos para agregar na renda.  

Ariane Daher, também estudante da FAU, além da bolsas de cultura e extensão, também vendia caderno, roupas e cortava cabelo para se manter na USP. 

“A Universidade é muito elitista e desconsidera que há alunos de outras rendas. Não foi feita para nós”, afirmou a estudante. “Infelizmente, vi muito gente desistir porque não conseguia se sustentar”, conta.

A aluna também reconhece que os estágios não são a única solução, pois “pagam mal”. Além do estágio, hoje em dia, Ariane ainda vende roupas. “Mas, sim, se pudesse estagiaria  no primeiro ano”, finalizou.