Serviço médico da Zona Oeste é sobrecarregado com desmonte do HU

Atendimentos no Butantã e região foram pulverizados para outros hospitais, que não medem esforços para atender os pacientes encaminhados 

Por Giovanna Costanti Laura Molinari

A precarização do Hospital Universitário é pauta conhecida na comunidade local. Com o pronto-atendimento fechado e o encolhimento no quadro de funcionários, o HU vem, aos poucos, sendo transformado em mais um elefante branco na universidade. Dentre as consequências, a mais nítida foi a sobrecarga nos outros serviços médicos da região.

De acordo com o SUS, o atendimento ambulatorial do HU encolheu 32% entre 2013 e 2017. Como o fechamento do pronto-socorro ocorreu em dezembro do ano passado, a tendência é que a queda tenha sido ainda maior em 2018.

Givanildo Oliveira dos Santos, conselheiro gestor da UBS São Remo, considera que a situação do HU representa a maior perda que os moradores já tiveram.

“Boa parte da nossa comunidade teve filho lá. Um hospital daquele porte, com bons aparelhamentos, leitos, profissionais capacitados para atender a necessidade da população e está fechado. O pessoal não se conforma”, explica. “E é uma situação muito crítica e caótica para o sistema de saúde no Butantã, principalmente”.

Percebendo a pulverização dos serviços que antes eram atendidos pelo HU à população externa, uma equipe do Jornal do Campus resolveu analisar os reflexos do desmonte em outras unidades da região.

No mapa que acompanha esta reportagem, estão dispostas as unidades com as quais a equipe teve contato ao longo da última semana, entre os dias 24 e 28 de setembro.

Gráfico: Caio Mattos

Hospital Universitário

Apesar de ser referência na região, Hospital Universitário é caracterizado por seus corredores vazios / Crédito: Laura Molinari

A questão do hospital universitário é a mais complexa. Isso por conta das informações cruzadas. Desde o ano passado o pronto-socorro infantil está fechado. Em dezembro, sua ala adulta passou a atender apenas emergências.

Na quinta-feira, 27, às 8h, a entrada do pronto-socorro estava quase vazia. Uma mulher com criança de colo foi abordada pelo segurança: “Você sabe como está aqui desde o ano passado, né?”

Ele explicou que ela poderia tentar ser atendida, mas o pronto-socorro infantil não estava funcionando e provavelmente ela seria encaminhada para outra unidade do SUS.

Dentro do hospital, a mãe, moradora da São Remo, contou que teve seus três filhos no HU e que costumava levá-los com frequência. Dessa vez, passou primeiro na UBS São Remo e de lá foi orientada a levar a filha ao HU, com febre e inchaço nos olhos.  

Segundo ela, até os funcionários estão incertos sobre o funcionamento: “A gente vai lá e mandam pra cá. Chegamos aqui e mandam pra lá”.

De acordo com o atendente da triagem, o único serviço que o hospital deixou de oferecer por completo foi o de obstetrícia. O resto ainda funciona, apesar de reduzido.

Ele informou que o pronto atendimento está fechado para a comunidade externa, exceto para casos graves. “É o médico que decide, depende do critério dele”, ouvimos. Segundo um dos médicos, o pronto-socorro ainda funciona, mas apenas de manhã.

Outra funcionária contou que o agendamento de consulta só é possível para a comunidade USP. Com exceção desses casos, o hospital só atende encaminhamentos de outras unidades ou retorno de consulta.

Naquele dia, o atendimento do pronto-socorro estava funcionando com rapidez. Na saída, não encontramos a mãe.

UBS São Remo

Instalada dentro da comunidade que leva o mesmo nome, é a primeira opção dos moradores que recorriam ao HU nos anos anteriores. No dia 24, uma segunda-feira, às 9h30, a sala de espera estava cheia.

Givanildo dos Santos, do conselho gestor da unidade, explicou que desde o fechamento de alguns atendimentos do HU e do pronto-socorro, a demanda da UBS aumentou muito.

“Isso fez com que vários profissionais pedissem demissão porque não aguentavam a demanda, não conseguiam dar atendimento a toda população”, relatou. “Ver bons profissionais saindo porque a condição de trabalho é horrível… É 15 minutos para cada paciente, não pode ultrapassar senão é punido”.

Segundo ele, grande parte dos pacientes que procuram o HU são encaminhados para a UBS. Mas essas unidades não funcionam como pronto-socorro para moradores de outros bairros. “Gera um transtorno entre os profissionais e entre o pessoal da comunidade com as pessoas de fora”, explica.

Uma funcionária da recepção afirmou que quando o serviço não pode ser atendido pela UBS, os pacientes são encaminhados, principalmente, para os pronto-socorros Bandeirantes e Lapa, cujas distâncias da UBS São Remo são 14km e 4,5km, respectivamente.

Os pacientes fazem uma longa jornada, encaminhados de um hospital para outro, e talvez só encontrem atendimento há quilômetros do HU, por onde começaram.

Hospital Sarah

Grávidas aguardam tratamento obstétrico no Hospital Sarah / Crédito: Laura Molinari

A primeira coisa que se nota ao chegar no Sarah é a grande fila de grávidas aguardando por atendimento. A unidade recebia muitas mulheres à procura de obstetrícia, mas o fim do oferecimento desse serviço no HU fez com que a demanda aumentasse significativamente.

Na manhã do dia 25, o JC conversou com uma das grávidas presentes no local, que aguardava desde às 7h por consulta médica. O relógio indicava 11h, e nada de atendimento.

Mas, da última vez, foi encaminhada ao Sarah. Ela mora perto do shopping Continental, no bairro Jaguaré, e costumava frequentar o Hospital Universitário para serviços de obstetrícia.

Ela relata que, ao longo do período de quatro horas de espera, conversou com outras grávidas que também passavam por situação semelhante. Na mesma manhã, de uma mulher chorava após perder a vez na fila de atendimento, pois teria saído para tomar água quando foi chamada pela primeira vez. Não teve direito à segunda chance.

O recepcionista da unidade explica que o fechamento de serviços no HU afetou o atendimento de obstetrícia e ginecologia mais do que outros. Em contrapartida, o atendimento clínico demonstrava bom funcionamento naquele dia, atendendo os pacientes em um intervalo menor que uma hora.

PS Municipal da Lapa

É para o hospital municipal da Lapa que grande parte da comunidade externa tem sido encaminhada. Na manhã da sexta-feira, 28, por volta das 9h, a sala de espera do pronto atendimento estava cheia. Percebemos a presença maior de idosos e crianças, diferente do hospital Sarah.

De acordo com o atendente da triagem, o fechamento do Hospital Universitário sobrecarregou esse e mais dois hospitais: o Pirituba e o Sorocabana, cujas distâncias do HU são 13 km e 9 km, respectivamente.

Chama atenção as estantes de arquivos em papel atrás de duas atendentes que se desdobravam procurando fichas e documentos, enquanto atendiam os pacientes. Diferente do HU, boa parte dos arquivos não são digitalizados.  

Hospital Sorocabana

O cenário muda no Sorocabana. Por volta das 10h da quarta-feira, 26, a sala de espera estava cheia, com quase lotação máxima das cadeiras que se espalham pelo salão. O público é diverso. Destacam-se as crianças pequenas acompanhadas de suas mães.

A funcionária que organizava a fila de espera comentou que o dia era atípico, muito cheio para uma quarta: “Até parece segunda. Segunda que normalmente é assim”, explica. Ela também acha que o movimento aumentou com o fechamento do HU.

Muitos dos pacientes que vêm de lá buscam atendimento pediátrico, que não é oferecido no Hospital Sarah.

De acordo com um clínico geral da unidade, o movimento no Sorocabana sempre aumenta quando outra unidade fecha ou limita o atendimento, principalmente devido à localização estratégica, próxima à estação Lapa da CPTM e do terminal rodoviário.

No dia da reportagem, a espera por atendimento clínico atingia duas horas sem muitas dificuldades.

AMA Jardim Peri Peri e Vila Nova Jaguaré

A quinta-feira, 27, não começou fácil na unidade de saúde do Peri, 18 km distante do Hospital Universitário. Antes mesmo da abertura desta AMA (Assistência Médica Ambulatorial), cerca de 30 pessoas aguardavam na porta de entrada. “É a nossa demanda diária”, diz a atendente.

Mesmo assim, apesar das dificuldades, ela demonstra solicitude na recepção de quem chega: “Com o fechamento do HU, com o fechamento de outras unidades, tudo ficou difícil. Mas a gente está aqui, tá? É só ter um pouquinho de paciência que todo mundo é atendido”.

Ela explica que apenas dois clínicos e dois pediatras estão atuando, e que a espera seria de aproximadamente duas horas.

Na mesma manhã, por telefone, a atendente do pronto atendimento da AMA Vila Nova Jaguaré, há 3,5 km do HU, relatou que o serviço estava funcionando.

Com um porém: “temos só um médico atendendo hoje”. Ainda segundo ela, o serviço de pediatria só funciona no de manhã.