Evento expõe as dificuldades da inserção do negro no mercado audiovisual

O 1º Levante Negro do Audiovisual também abordou a elitização da graduação e a insuficiência das cotas para a inclusão da comunidade negra

Por Giovanna Christ

Na segunda semana de setembro ocorreu o 1º Levante Negro do Audiovisual no CTR (Departamento de Cinema, Rádio e Televisão) da ECA. Os alunos do curso propuseram debates sobre a participação da população negra na universidade e no mercado do audiovisual.

Segundo Ricardo Sant’Anna, estudante do CTR e organizador do evento, a motivação principal foi a abordagem do assunto dentro de vários debates organizados recentemente em São Paulo.

Contando com sessões de curtas, exposições de obras e mesas de debate, o Levante organizado por alunos e pelo chefe de departamento, Almir Almas, visou colocar em pauta “o negro como sujeito na produção audiovisual”, como explica a página no Facebook do Levante.

As mesas trataram de temas como curadoria de festivais e distribuição de filmes, realizadores negros na área de tecnologia, atores e atrizes negros nos filmes e as cotas no audiovisual, que entraram em vigor neste ano.

Pior para a mulher negra

O objetivo do evento era mostrar que a comunidade negra do audiovisual está presente e quer se fazer ouvida na universidade, além de tentar criar novas referências dentro do curso, que abrange basicamente obras de brancos.

As abordagens se justificam pelos números: as estatísticas dos empregos na área são tristes para os estudantes negros, e, principalmente, para as mulheres.

Segundo uma pesquisa feita pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema), analisando 142 longas brasileiros lançados em 2016, a direção desses filmes foi
feita 75,4% das vezes por homens brancos e nenhum deles foi dirigido por uma mulher negra.

Quando analisado o elenco principal, em 42,3% deles não existia nenhum ator negro. “Existe uma lenda de que não é fácil achar atores e atrizes negras bons. Queríamos provar que isso é mentira e discutir quais papéis são atribuídos a eles. Para colocarem atores negros, precisa ter gente os
escolhendo”, disse Ricardo.

Graduação

O evento também expõe a elitização da graduação. O sistema de cotas para ingresso no Curso Superior de Audiovisual só entrou em prática neste ano, quando a prova específica – que exigia conhecimentos de construção de personagens, roteiro, som e outras habilidades – foi suspensa e vagas foram disponibilizadas no Sisu.

De 35 vagas do curso, 11 delas foram destinadas ao Sistema de Seleção Unificada e 7, especificamente, aos concorrentes pretos, pardos e indígenas (PPI). A medida, mesmo necessária, não resolve os problemas de acessibilidade do curso.

As disciplinas são oferecidas em período integral – o que impossibilita a permanência de quem precisa trabalhar. Em sala de aula, nem sempre é fácil.

Rogério Gonçalves, aluno do 4º ano, vivenciou situação grave de racismo e teve que recorrer a um processo judicial. Mesmo com a ação, disse não contar com o apoio dos professores, que “não querem problemas institucionais e são cuidadosos para que esses não aconteçam”.

Como chegar às telas?

Quanto ao mercado audiovisual, a inserção de alguns negros na universidade minimiza pouco o problema. “A inclusão da comunidade negra não se resume a colocá-la na universidade, mas se dá através de várias camadas”, afirma Victoria Negreiros, estudante e organizadora do 1º Levante Negro.

“Temos que ter acesso à linguagem para poder ter ideias para produzir essas obras. O audiovisual se dá através de um processo coletivo, então tem que ter uma trupe para realizar isso. Depois que o filme está pronto, ainda tem que entender como funciona o mercado de distribuição para ele chegar a meios de exibição”, completa.

Mesmo com problemas tão explícitos, a comunidade de alunos não parece tão engajada. A média de participação nos debates, por dia, foi de 15 pessoas, mesmo com o evento do Facebook tendo tido grande alcance e as mesas, ampla divulgação.