Tenho certeza absoluta: não sei absolutamente nada

Por Amanda Péchy

Arte: Amanda Péchy

Quando Bolsonaro foi esfaqueado, recebi mensagens em muitos grupos do WhatsApp. Algumas me surpreenderam mais do que outras, mas me decepcionei com apenas uma conversa: amigos de longa data – apesar de “longa” ser relativo frente aos meus vinte anos –, reunidos em um grupo de dezenove pessoas, doces companheiros, estabeleceram que a facada havia sido falsa. “Pode vir até o Papa jurar, que não acredito”.

No curso de jornalismo, tropeçamos periodicamente no termo pós-verdade. De acordo com o Dicionário Oxford, é um substantivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Meus amigos, eu, todos perdemos a competência de duvidar de nós mesmos.

Não só a facada foi presumida pseudo, mas também despontaram vários comentários maliciosos. “Se for verdade, que bosta que foi uma facada de merda”, “faltou dar uma giradinha”, “é o karma”.

Meus ternos amigos (contra a pena de morte, contra o linchamento), disseram apoiar Karl Popper e seu Paradoxo da Intolerância – a ideia de que, no ambiente social, tolerância ilimitada causa seu desaparecimento. A sociedade tolerante teria que se proteger contra a investida dos intolerantes para que não fosse destruída.

Suas certezas pareciam comprovadas a ponto de sentirem-se confortáveis para defender o atentado. E eu ainda não acredito que cheguei – chego – ao ponto de defender Bolsonaro, se é que estou sequer defendendo sua pessoa, mas não consigo entender essa crença inabalável. Crença de que foi tudo uma trama, crença de que o caminho para uma sociedade tolerante é a própria intolerância.

Quem é Karl Popper? Por que Karl Popper? Como Karl Popper?

As eleições são incertas, mas tenho me deparado com muitos convictos.

Apesar da pesquisa eleitoral demonstrar que uma parcela avassaladora da comunidade USP não sabe em quem votar, tive experiências muito marcantes durante o processo de levantamento de dados para uma pesquisa de opinião. A maior parte das pessoas entrevistadas que sabiam em quem votar, respondiam sem qualquer hesitação. Certeiras. Desafiadoras.

Entendo de onde vem a ânsia para que Bolsonaro desapareça da face da Terra, e entendo que, frequentemente, tomar decisões significa ter certezas. É muito difícil abdicar de algo que acreditamos, até porque esse algo é, muitas vezes, uma das únicas coisas que nos define. Eis o horror de perder a si mesmo.

Mas não sei. Algumas vezes, sinto que ao questionar as certezas dos outros, estou impondo as minhas próprias. Outro dia estava fazendo o tal do Match Eleitoral, e me peguei muito certa daquilo com o que me identificava. Por outro lado, sinto que a dúvida também vem de um medo da auto-afirmação. A segurança do cético.

Ainda estou tentando me encontrar como membro da pós-verdade, entre tiros e sorrisos.

Recentemente, li um texto para uma disciplina que me reaproximou dos gregos. Talvez “conhece-te a ti mesmo”, de Platão, seja essencial para refletir sobre nossas convicções.

Por enquanto, fico com “só sei que nada sei”, de Sócrates, porque duvidar de si mesmo pode ser muito mais difícil que duvidar do outro.