Um vazio povoado de sensações

Por Fernanda Teles

Na segunda-feira, depois das eleições, eu acordei com uma sensação estranha. Era uma segunda rotineira, daquelas que eu fico pensando que deveria ter ido dormir mais cedo no domingo e deixado alguns episódios da série para depois. Mas tinha algo de diferente, e eu não sabia bem dizer o que era.

Naquele dia, quando eu saí na rua, senti algo estranho. Era como se eu estivesse sozinha. Mas tudo bem, quem nunca se sentiu sozinho no meio de um montão de gente?

Segui meu caminho até o metrô.

Chegando lá, a sensação de solidão aumentou. Mas não era uma solidão qualquer. Parecia que eu estava no meio de uma batalha e que, do meu lado da trincheira, eu só contava comigo mesma.

Arte: Letícia Fujikawa

Confesso que sempre adorei ficar sozinha. Não tem programação melhor para mim do que tirar o dia para ficar só. Mas agora é diferente, essa solidão me atacou de uma forma não tão bacana assim.

No metrô, fiquei observando as pessoas. Não que parecesse que elas estavam unidas em um campo de batalha. Mas eu estava sozinha. Esse é o ponto. Era como se eu estivesse desprotegida em um nível que eu nunca vi.

Ser mulher e andar pelas ruas de São Paulo a qualquer hora do dia sempre foi algo complicado. Um assédio vindo daqui, um homem me olhando dali. Mas nada que, infelizmente, eu não esteja acostumada. Mas hoje eu estou incrivelmente com medo. Com medo de estar sozinha.

Parece que, da noite para o dia, a minha sensação de impotência aumentou e a força dessas pessoas estranhas e desconhecidas aumentou ainda mais. E eu não tinha muito o que fazer. Era como se todos estivessem contra mim no metrô. Contra a minha existência. Mas, até então, eu não tinha entendido muito bem o porquê.

Me sentia quase sem forças.

De repente, um homem vestindo uma camisa branca com a foto de um político nada simpático estampada entrou no vagão. E entrou todo corajoso, cheio de si. Parecia que nunca tinha sentido medo de ser quem ele era. Parecia que sair na rua para ele e expor suas ideologias era algo totalmente tranquilo.

Para mim nunca foi.

E então eu entendi o que estava acontecendo, o porquê da minha sensação de solidão e medo.

Obviamente, eu não conhecia nenhuma daquelas pessoas no vagão, mas qualquer uma delas poderia pensar da mesma maneira que aquele político. Isso já era uma ameaça por si só.

Parecia que todos ao meu redor acreditavam que estupro é uma questão de merecimento. ”Ela não merece ser estuprada porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero”, parecia ser uma frase que seria aceita ali facilmente.

Qualquer um ali poderia achar que eu era uma fraquejada. Poderia achar que meu corpo não pertence a mim e que o Estado tem força maior sobre ele. E que eu mereço morrer se um dia ousar tentar dominá-lo.

Qualquer um ali poderia achar que usar uma arma é a solução para todos os problemas do país. Até porque, violência se resolve com mais violência. Isso não faz sentido para você?

Qualquer um ali poderia pensar que bastam algumas “porradas” — ou tiros, por que não? — para que qualquer um entre na linha. Na linha cristã, héterossexual e cis, eu digo.

Tinha medo porque qualquer um ali poderia concordar que namorar com um negro ou uma negra é sinônimo de falta de educação dentro de casa. Como ficar tranquila sabendo que pessoas que eu amo estão sendo ameaçadas também?

Eu entendi que o problema era que, com o discurso do ódio ganhando força, cada vez mais minha segurança como mulher era ameaçada. E a segurança dos negros e negras, dos lgbts, do índios e de tantas outras pessoas, era ameaçada.

Saí do vagão e a sensação não diminuiu.

Alguns dias se passaram. É segunda-feira de novo e a sensação continua a mesma. Mas reconheço que não é uma segunda qualquer. A gente foi dominado pelo ódio. E o ódio já ganhou essa eleição.

Resta saber o quanto vamos perder com isso.