Ainda mais à direita, Escola sem Partido ganha projeção e preocupa

Discussão visa censura e deixa de fora prioridades como o Plano Nacional de Educação

O Projeto de Lei 4780/2014, popularmente conhecido por lei da Escola Sem Partido, carro-chefe da agenda conservadora para a educação, ganhou uma versão mais rígida no fim de outubro. A alteração ocorreu após análise de emendas à véspera da votação pela Comissão Especial da Câmara, que foi adiada.

O texto a ser avaliado agora, de autoria do deputado Flavinho, do PSC, endurece proibições à promoção da ideologia de gênero nas escolas, além de garantir que “o poder público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos”. A proposta expande os dispositivos da lei para “materiais didáticos e paradidáticos”, “conteúdos curriculares”, “políticas e planos educacionais” e “projetos pedagógicos das escolas”.

Uma das principais bandeiras políticas do presidente eleito Jair Bolsonaro, o projeto simboliza o combate à suposta doutrinação político-ideológica nas instituições de ensino. Seu conteúdo é criticado porque promoveria censura à liberdade de expressão e ameaça a liberdade de cátedra, ao exigir uma cartilha de regras para os professores ministrarem suas aulas.

Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, aponta para a inconsistência do discurso do Escola Sem Partido, ao se dizer defensor da pluralidade de ideias e apoiar, na realidade, uma suposta neutralidade. “Paulo Freire já insistia que a educação jamais pode ser completamente neutra, dado que ela é fruto dessa inter-relação entre educador e educando, ambos seres políticos munidos de experiências e formulações”.

Reconhecido pela legislação como patrono da educação brasileira, Paulo Freire é uma das figuras mais demonizadas pelo programa. Para Andressa, “isso demonstra como não se entendeu justamente o núcleo central das teorias freireanas, que defendem uma educação justamente avessa a doutrinações, pois crítica, plural, emancipadora e como prática da liberdade.”

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve votar, paralelamente, ainda neste mês, a constitucionalidade do projeto. Segundo Andressa, o texto comete diversas violações, principalmente quanto ao artigo 206 da Constituição, que versa sobre os princípios da educação. Entre eles, estão garantidos, por exemplo, “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.

Cada vez mais em evidência

“Denunciar para quem? Não vou criar um mecanismo de controle ideológico na USP”. Assim respondeu Vahan Agopyan, reitor da USP, à possibilidade de aplicação da proposta na universidade, em entrevista ao Estadão.

Renata Aquino, integrante do Professores Contra o Escola Sem Partido, vê que, mesmo sem aprovação, o projeto deixa marcas, especialmente entre seus colegas. Para ela, o ESP é uma maneira de censurar e precarizar a educação: “O que o movimento deles realmente faz é denunciar as visões de mundo com as quais eles não concordam”.

Enquanto o Escola Sem Partido ganha projeção no Congresso, metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação, de 2014, como a universalização do acesso e a garantia de um padrão mínimo de qualidade, são deixadas de lado. Para Andressa, o PNE, em seu quarto ano de vigência, “tem sido escanteado pelo governo Temer e nem aparece nas prioridades de Bolsonaro”.