Debate sobre cobrança de mensalidade expõe ignorância sobre tema

Há caminho legal para a pauta, mas ela é a manutenção do problema que diz enfrentar  

A eleição do combo “Bolsodoria” e a ascensão de auto-intitulados liberais nas casas legislativas deve significar o avanço da proposta de cobrança de mensalidades nas universidades públicas. O debate popularizou-se, mas tem ignorado a situação legal e ofuscado o problema que pretende resolver.

A quem caberia autorizar a cobrança de mensalidades? Para Vidal Serrano, professor de direito da PUC-SP, ao Legislativo Federal, através de Emenda Constitucional.

“O texto Constitucional estabeleceu a gratuidade do ensino público no inciso quarto do artigo 206 e, como não há autorização constitucional específica, essa cobrança seria contra a Constituição”. Entretanto, por não ser cláusula pétrea, pode ser mudada por Emenda. Serrano relembra que a própria Constituição possibilita interpretações divergentes.

Enquanto se garante a “gratuidade em estabelecimentos oficiais” (diferentemente das universidades municipais, que são autarquias), o inciso I do artigo 208 prevê “educação gratuita dos 4 aos 17 anos”. Para Serrano, as duas regras não se anulam. Esta última apenas reitera que parte importante do processo de ensino deve ser garantida pela Estado. A gratuidade constitucional do ensino superior não seria afetada.

Além disso, por se referir à administração pública, e não somente à União, o artigo 206 se aplica também às constituições estaduais, mesmo sem menção explícita, pelo chamado “princípio da simetria”. Logo, uma mudança no plano estadual, como cobrança de mensalidade na USP, seria inconstitucional.

Também procurador do Ministério Público de São Paulo, Serrano acredita que o órgão tomará as medidas necessárias caso tente-se implementar uma cobrança de mensalidade sem emenda à Constituição Federal.

Reverter é melhor que compensar

Para o professor Floriano de Azevedo Marques Neto, diretor da Faculdade de Direito da USP, o debate sobre a cobrança desvirtua o que realmente deve ser discutido: a reversão dos benefícios da universidade para sociedade.

Azevedo Marques defende políticas para reforçar tal reversão, como “exigir a participação dos alunos em atividades de extensão”, algo já existente, como as atividades que vão dos serviços jurídicos gratuitos do Centro Acadêmico XI de Agosto ao atendimento do Hospital das Clínicas

Deve-se “evitar que alguém passe pela universidade pública adquirindo conhecimento apenas para o seu desenvolvimento particular”, afirma Azevedo Marques.

Não só esse problema se mantém com a cobrança de mensalidade, como o discurso do “pobre pagar a faculdade da elite” seria injusto. Para Azevedo Marques, o fato do ICMS ser um imposto regressivo é indiscutível, mas “não é verdade que a função da universidade pública seja formar indivíduos” somente.

Reação à cobrança

Como membro do Conselho Universitário (Co) há pouco menos de um ano, Azevedo Marques acredita no repúdio à cobrança de mensalidade pelo órgão. Ele imagina ainda outras formas de financiamento, como doações.

Ana Luísa Tibério, representante do corpo discente no Co e membro do DCE Livre da USP, defende que “é preciso levar essa discussão da cobrança de mensalidade para além dos movimentos estudantis e enxergar o DCE como um instrumento de mobilização dos alunos”.

A estudante de Direito ainda pensa em possível “representação judicial”, conforme prevê  Estatuto do DCE. Vidal Serrano lembra que entidades estudantis podem entrar com ações civis públicas se elas forem previstas no estatuto como determinado na Lei nº 11.448/2007.