Nas universidades, articulação contra Bolsonaro se prepara para 2019

Diretorias têm tomado providências frente atos de violência, alunos têm se mobilizado, e a grande incógnita é sobre o próximo ano

Na sexta-feira, dia 9 de novembro, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou, em um pronunciamento em suas redes sociais, que tentará “aparar” universidades e criticou atuação dos centros acadêmicos.

A fala assustou estudantes organizados em torno de lutas políticas nas universidades e acontece no mesmo momento em que parlamentares de seu partido, o PSL, e seus apoiadores, bradam pela desfesa da “Escola Sem Partido”, pela tomada de rédeas do Exame Nacional do Ensino Médio, O Enem, e pela cobrança de mensalidades nas universidades públicas.  

“Seu objetivo é calar os estudantes porque ele sabe que a universidade é um espaço crítico”, declarou o aluno Eduardo Marrot, diretor de movimentos sociais da UNE. A organização condenou a fala de Bolsonaro e o acusou de incitar o ódio, mais uma vez, em um momento tão conturbado dentro das universidades.

A USP tem tomado providências após atos violentos e discursos de intolerância, principalmente aqueles que mais repercutiram na mídia e que colocam em questão a imagem da Universidade.

O ato “Marcha do Chola Mais”, convocado para a segunda-feira pós-segundo turno por manifestantes pró-Bolsonaro e divulgado nas redes sociais, que pretendia caminhar desde o Instituto Politécnico até Vão da História e Geografia, fez com que a diretoria da FFLCH se posicionasse.

A diretora Maria Arminda do Nascimento Arruda pediu à reitoria que tomasse providências em relação ao ato e tentou tranquilizar a comunidade uspiana em um vídeo divulgado no Facebook. Um reforço policial foi chamado para acompanhar o ato.

Durante o evento, que reuniu em torno de 20 manifestantes pró-Bolsonaro, a maioria não-aluno, a diretora da Poli, Liedi Bernucci, declarou à imprensa que o reitor, Vahan Agopyan, estava “muito preocupado”. “Qualquer episódio de violência aqui seria um desgaste para a universidade, para a imagem da escola”.

No mesmo dia e horário, movimento antifascista da USP e o DCE Livre Alexandre Vanucchi conseguiram reunir em torno de mil estudantes na FFLCH, em um ato contra Bolsonaro. Isso mostrou que as reações contra o ódio e a intolerância na Universidade têm sido majoritariamente organizados pelos próprios alunos, além de professores e funcionários.

Palestra lotadíssima

Na FFLCH, na quinta-feira, 01 de novembro, às vésperas do feriado de Finados, o Vão da História e Geografia foi ocupado por alunos, professores e funcionários durante uma palestra sobre resistência com os professores André Singer, Vladimir Safatle e Marilena Chauí. Os palestrantes demonstraram temor com os incidentes que vinham ocorrendo nas universidades brasileiras.

Até acontecer, o evento “Construindo a resistência” teve de mudar quatro vezes de lugar, havia muitas pessoas. O grupo chegou tentar se acomodar em dois auditórios da FFLCH, mas não couberam todos.

Chauí, professora do instituto e filósofa, afirmou que as instituições precisam se fortalecer para resistir ao autoritarismo de Bolsonaro. Segundo ela, a defesa da democracia deve ser feita por grupos institucionalizados de pensamento e ação.

“Eles querem que façamos as manifestações de rua, mas nós precisamos fazer um trabalho lento como é o da toupeira, que cava silenciosamente por debaixo da terra. E fazer isso sempre sob as formas institucionalizadas, foi isso que eu aprendi com os movimentos sociais e movimentos operários. Para governos autoritários, a melhor maneira de gerir a crise é atuar sobre as manifestações espontâneas”, afirmou.

Atos de repercussão

Na FEA, o CAVC, Centro Acadêmico Visconde de Cairu, organizou um fórum para discutir as articulações contra intolerâncias e atos de violência. O encontro contou com alunos, funcionários e professores.

O evento teve como motivação principal a publicação de uma foto que  circulou nas redes sociais, no final do último mês, e causou polêmica no Campus da capital. Na fotografia, tirada em uma das salas da FEA, estão quatro garotos. Sob a mesa, duas placas: “Está com medo, petista safada?” e “A nova era está chegando”.

Além de causar medo entre alunos, o episódio obrigou a FEA a abrir uma sindicância para investigar o ato. As investigações são internas e ficarão sob responsabilidade de três professores nomeados pela diretoria.  Ao fim de 60 dias, a instituição deve trazer a público as conclusões.

Na Faculdade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, a reitoria suspendeu o aluno de Direito que divulgou vídeo no qual pregava a morte a “negraiada”. A faculdade não divulgou o nome do aluno.

No vídeo, o homem veste uma camiseta com o rosto de Jair Bolsonaro e mostra duas pessoas negras em uma moto, no trânsito, com o comentário: “Tá vendo essa negraiada? Vai morrer! Vai morrer! É capitão, caralho”. Ele afirmou que estava indo votar “ao som de Zezé, armado com faca, pistola, o diabo, louco para ver um vadio, vagabundo com camiseta vermelha e já matar logo”.

“Tais opiniões e atitudes são veementemente repudiadas por nossa Instituição que, de imediato, instaurou processo disciplinar, aplicando preventivamente a suspensão do discente das atividades acadêmicas”, diz a nota do reitor Benedito Aguiar Neto.

Dois alunos negros da faculdade contaram, em anonimato, ao Jornal do Campus, que têm sentido medo de ir às aulas desde então. Segundo eles, o posicionamento do aluno suspenso não é um caso isolado.

“A gente percebe que o discurso da intolerância está presente aqui dentro. Já estava antes, mas agora ganhou eco”, conta L.T. Segundo o estudante, a diretoria só tem tomado providências depois que os atos acontecem.

“Falta falar sobre o assunto. Sinto falta de eventos, palestras. Tudo é organizado pelos alunos, por coletivos.”

No Mackenzie, alunos, principalmente bolsistas, demonstram preocupação com os futuros ingressantes da universidade, que pode não ter acesso ao benefício. Dentro da faculdade existem algumas críticas em relação ao Escola Sem Partido, mas D.A., estudante de Fisioterapia observa que não existem tantas manifestações dentro da instituição em relação a atual conjuntura.

Fora da capital

As universidades brasileiras, principalmente as públicas, têm sentido diretamente os desdobramentos da última eleição. Antes do segundo turno e na semana seguinte era crescente o número de ações intimidadoras às comunidades das instituições.

No campus de São Bernardo do Campo da UFABC alunos relataram que um caixão do PT foi queimado durante evento com a presença de Kim Kataguiri e Arthur do Val. Na cidade de Franca, onde o campus da Unesp tem majoritariamente cursos de humanas, o mesmo ocorreu em um evento do MBL.

Apesar de dois episódios similares, é possível observar diferenças em como o resultado da eleição afeta as duas comunidades.

A estudante de Direito da Unesp, Nathalia Escher, relata que alguns dias após a eleição havia uma viatura dentro do campus conversando com alguns alunos em tom intimidador. A própria universidade tinha pedido que houvesse viaturas ao redor, mas não dentro da unidade.

André Casagrande Lopes, estudante de Engenharia de Informação na UFABC, explica que não se lembra de ter presenciado nenhuma atitude intimidadora nos campi após o resultado. “A UFABC, por toda história, é uma faculdade onde 99% das pessoas tem um ideal de esquerda e também tem muita gente partidária do PT. Por ser uma bolha sem muitos ideais diferentes, não acontecem muitos embates e discussões a respeito disso.”

Ao mesmo tempo em que existe uma significativa mobilização de alunos pelas universidades, há momentos em que essas ações são minoritárias. André observa que a UFABC parece estar em um momento de “ressaca política”, em que pouco se comenta a atual conjuntura. “Eu acho que voltamos para a fase de esperar quatro anos para fazer alguma coisa.”

Em contraponto, Nathalia afirma que percebe existir um maior engajamento nos movimentos dentro da Unesp de Franca. As assembleias passaram a ser mais frequentadas e existe maior preocupação com futuras mobilizações. Em uma dessas assembleias, foram decididas uma paralisação e uma plenária para começar o próximo ano com o movimento organizado.