“O TSE não se mostrou à altura do desafio”

Cientista político examina a responsabilidade de Bolsonaro com o que fala e o papel dos órgãos competentes em fiscalizá-lo

Maurício Loboda Fronzaglia ficou decepcionado com o que deveria ter sido a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições. Graduado em ciências sociais pela FFLCH, mestrado e doutorado na área de ciências políticas pela Unicamp, o especialista falou de responsabilidades: de órgãos do judiciário, do discurso do presidente, dos mecanismos de controle de notícias falsas.

Sobre o papel da imprensa, para o entrevistado houve questionamento a Bolsonaro nos órgãos tradicionais. Mas estaríamos diante de um fenômeno complexo: não é tão fácil caracterizar o eleitor do presidente e a legitimação dos discursos de ódio depende de apoio público.

“Com a questão dos costumes, quanto mais você o atacava, mais ele se fortalecia.” A seguir, detalhes de como o especialista está pensando o momento pós-eleitoral.

Você acha que o discurso de Bolsonaro seria um catalisador do ódio?

O discurso dele é o mesmo há muito tempo. Agora ele ganhou projeção nas redes sociais e hoje encontrou um eleitorado conservador que estava órfão, que em 2010 e em 2014 já era grande, mas votou no PSDB, mesmo não sendo um casamento cem por cento harmonioso. No Bolsonaro, encontraram sua voz. Boa parte do discurso dele incita a violência como forma legítima de chegar a alguns objetivos. Ele é militar e militares usam a força. Acho que um elemento fundamental desses casos de ódio que estão aparecendo é o medo que as pessoas não sabem que tem. Por exemplo: achar que uma vitória do PT poderia trazer o fim da igreja católica.

Tem como a gente determinar o perfil de uma pessoa que é mais seduzida pelo discurso do presidente eleito?

É difícil falar de um eleitor padrão do Bolsonaro. A maior parte dele se identifica com esses valores conservadores e alguns deles se identificam com uma parte do discurso liberal, somente na economia, muito embora os liberais clássicos são liberais em tudo: livre mercado e livre costume. Eles partem do princípio básico de que a primeira propriedade que você tem na vida é você. Você é dono de você mesmo: o seu corpo, a sua liberdade.

Talvez o que una todos eles seja o sentimento do antipetismo e esse sentimento permeia todas as classes sociais.

Na sua análise, o discurso do Bolsonaro durante a campanha, e até antes, pode ser considerado como legitimador para as ações violentas dos seus eleitores?

Eu diria sim, mas de uma maneira mais implícita do que explícita. Esse discurso pode incitar, mas legitimar seria com um apoio público, por isso é mais um estímulo. Nessa parte que é possível identificar os traços fascistas dele, pois uma parte não negligenciável do fascismo são as milícias civis.

O discurso de parte da população, que se sente reprimida, tem uma expressão mais violenta. Isso tudo piora quando o presidente eleito não condena esses atos de violência. Ele não condena veementemente. Ele não condenou durante a campanha, ainda hoje não condenou. A visão dele foi “olha, eu não tenho como controlar as pessoas”. Mas você é uma liderança. Não tem como controlar fisicamente, cotidianamente todas as pessoas, mas um discurso ajuda a controlar.

Existe algum mecanismo jurídico que controla o que um candidato ou até um presidente fala? Qual a responsabilidade do seu discurso?

O presidente, de uma maneira mais básica, é um cidadão como outro qualquer, está sujeito às mesmas leis. E, embora o julgamento seja difícil, ele não pode fazer uma declaração racista. Se fizer, vai ser julgado pelo Supremo.

Qual deveria ter sido a postura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) durante essas eleições? Eles exerceram o papel que deveriam?

O TSE não se mostrou à altura do desafio, parece que não compreendeu a realidade do que estava acontecendo. Na questão das fake news no WhatsApp, eles não tinham ideia de como regulamentar, porque não se preveniram, não pensaram e não se anteciparam. O TSE não se mostrou preparado para regulamentar esse novo tipo de campanha que se dá muito mais nas redes do que nas mídias tradicionais.

Como você acha que eles deveriam ter agido?

Eles deveriam ter algum grupo que tivesse estudado esse tipo de ação e que fizesse com que a reação do TSE fosse mais rápida.

Você acha que a mídia naturalizou e não problematizou o discurso do Bolsonaro?

Não concordo. Nas mídias tradicionais houve muito questionamento ao discurso do Bolsonaro. Me lembro de vários articulistas da Folha, do Estadão, da Globo e da Globo News. Com a questão dos costumes, quanto mais você o atacava, mais ele se fortalecia. Discussão econômica, por exemplo, quase não teve na campanha, porque era algo que ele não sabia o que falar. Esse é um fenômeno complicado. As pessoas passam a olhar tudo com o mesmo peso e passam a achar que é verdade aquilo que vai de encontro com aquilo que ela já acredita, aí se formam as “bolhas”.