Campus da Cidade Universitária é favorito entre ciclistas esportivos

Relacionamento entre atletas e comunidade USP é conturbado devido a infrações de trânsito

Por Jonas Santana

Foto: Matheus Souza

Quem transita pela Cidade Universitária provavelmente já se deparou com os chamados “ciclistas de speed”, que utilizam os 60 quilômetros de ruas e avenidas do campus para seus treinos. “Speed”, do inglês, significa “velocidade” e se refere ao tipo de bicicleta utilizada pelos atletas, específica para competições. No campus, são treinadas duas modalidades, o ciclismo de estrada, disputado em ruas e avenidas, e o triathlon, que consiste em ciclismo, natação e corrida. “Nossos treinos dentro da USP são adaptados dependendo da condição do lugar”, comenta Sebastian Cauvet, cineasta e ciclista esportivo que treina na Universidade desde 2017.

Com amadores e profissionais, a maior parte dos cerca de dez mil ciclistas que circulam pela USP está dividida entre as 120 assessorias esportivas cadastradas pela Prefeitura do Campus, de acordo com dados de 2015. Segundo Cláudia Franco, fundadora da escola de pilotagem de bicicleta Ciclofemini, essas assessorias têm como objetivo auxiliar na melhora nos resultados, aprimorando a rotina dos esportistas. “A assessoria esportiva é acima de tudo uma ferramenta eficiente para abrir as portas para uma vida mais saudável”, afirma Cláudia, que utiliza a Cidade Universitária para pedalar há pelo menos uma década.

Mesmo com a ascensão das ciclovias em São Paulo, faltam opções. Com isso, o campus da capital tornou-se o ambiente preferido dos ciclistas esportivos. Vista por muitos como alternativa, a faixa exclusiva da marginal Pinheiros, que é totalmente plana, possui apenas 8 quilômetros de extensão, o que deixa de atrair estes atletas.

Dessa forma, esses ciclistas conseguiram transformar a rotatória da Praça da Reitoria, mais conhecida por eles como “Bolinha da USP”, no trecho mais utilizado no mundo pelo aplicativo Strava. Até 2017, o circuito de apenas 500 metros de extensão tinha sido usado quase 5 milhões de vezes por mais de 7 mil pessoas. À época, segundo a empresa responsável pelo aplicativo, os ciclistas haviam percorrido 2,5 milhões de quilômetros naquele trecho, o que daria para ir e voltar da Lua três vezes.

“Eu odeio os ciclistas de speed da USP”

Esse é o nome da página no Facebook criada em junho do ano passado e que já conta com mais de 7 mil seguidores. Homônima a uma comunidade da extinta rede social Orkut, ela foi criada por um grupo que coordena outras seis páginas de humor relacionadas à USP a partir de uma publicação feita no “Spotted: Universidade de São Paulo”. A postagem acusava os ciclistas de speed de não pararem na faixa de pedestres, xingando quem atravessava a rua mesmo com o sinal verde.

Sebastian compreende o motivo que levou à criação da página e reconhece que há ciclistas que realmente não respeitam. “De fato, há treinos que não deveriam ser feitos na Cidade Universitária. Por exemplo, a simulação de prova, que deveria ser feita na estrada”, comenta. Mas ele lembra que têm assessorias que não conseguem e não têm infraestrutura para realizar treinos fora do campus.

Já Cláudia Franco acredita que a página foi criada por pessoas que desconhecem o assunto e que fazem apologia à violência contra os ciclistas. “A meu ver, assim como você encontra páginas homofóbicas e racistas, a página merece sofrer sanções que a lei lhe reserva porque está incitando fazer mal para outro ser humano”, explica.

Em contraponto, a administração da página, que não quis se identificar, alega que seu conteúdo é guiado pelo humor politicamente correto e até alguns ciclistas de speed contribuem com sugestões. “No mês de março, por exemplo, um ciclista enviou uma foto com o seu cachorro de capacete e óculos de bicicleta e nós publicamos”, comenta.

Sobre os casos de ciclistas que não param na faixa de pedestres, Cláudia acredita que muitas vezes essa atitude é motivada pela insegurança: “O primeiro item de segurança do ciclista é tornar-se visível. Se você sai no meio dos carros na hora que o farol abre, o carro pode não ver e acelerar para cima de você”. Ela relembra de um episódio que quase foi assaltada. “Eu estava parada esperando o farol abrir e uma pessoa tentou me assaltar. Quando eu vi que ele ia pôr a mão em mim, eu dei um arranque”.

Alternativas

Recém-formada em Letras pela USP, Fernanda Cruz é ciclista de speed, mas não pedala na Cidade Universitária porque, além de focar nas estradas, acredita que há lugares apropriados, como o Parque Estadual do Jaraguá, que fica na região noroeste de São Paulo e fecha o acesso para os carros até às 12h nos finais de semana.

Quando ia de manhã à USP, Fernanda lembra que os ciclistas esportivos ocupavam todas as faixas e às vezes por estarem escoltados com seguranças intimidavam pedestres e motoristas. “Em nome do treino são cometidas muitas imprudências desnecessárias”, conta.

A funcionária da USP, Caroline Pedretti, co-fundou um projeto de extensão em 2015 que objetivava o incentivo do uso de bicicletas no campus junto a um curso educativo sobre regras de trânsito, convívio e compartilhamento dos espaços. Segundo ela, pessoas dentro e fora da Universidade foram convidadas para participarem do projeto, mas poucos ciclistas esportivos compareceram. “Não acredito em nenhuma maneira que seja eficiente que não passe pela empatia e educação”, comenta Caroline, que também é ciclista amadora.

Ela lembra que ciclistas que utilizam a bicicleta como meio de transporte acabam absorvendo esse preconceito que os ciclistas de speed fomentam. Além disso, Caroline acredita que esses atletas precisam se unir. “Em vez de ficarem brigando, por que não lutam pela recuperação do velódromo?”, questiona.

Charge: Amanda Péchy e Pedro Vittorio

Regulamentação

Na resolução de nº 7.458, de 19 de dezembro de 2017, a USP estabelece normas relativas à prática de ciclismo esportivo nas vias internas da Cidade Universitária. No entanto, como afirma o ciclista Sebastian, a Universidade não sabe como identificar os ciclistas que estão cadastrados e o site da USP não possui local para a realização de novos cadastros.

No artigo 7º, a resolução informa que eventuais acidentes ou irregularidades deverão constar em Relatório de Ocorrência da Guarda Universitária, que seria acionada pelo telefone 3091-4222. Segundo a Prefeitura do Campus, foram registradas na Ouvidoria da USP 21 reclamações envolvendo ciclistas em 2017 e também em 2018. Referente às ocorrências envolvendo ciclistas esportivos no campus, a Guarda Universitária registrou 16 em 2017 e 13 em 2018.

Porém, poucas pessoas conhecem a resolução, o que talvez contribuiu para que os números não fossem ainda maiores. Este é o caso de Izabella Oliveira, pós-graduanda em Meteorologia, que no ano passado foi agredida verbalmente por um grupo de ciclistas esportivos quando ia atravessar a faixa de pedestre em direção ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG). “Achei horrível porque foi extremamente constrangedor e tinha várias pessoas na rua”, relembra. Após o episódio, Izabella afirma que não fez nada porque não sabia como denunciar.

Em relação a isso, Sebastian ressalta que é importante que as vítimas identifiquem pela camiseta a assessoria dos ciclistas para efetuar a denúncia. “Porque se você colocar todos os ciclistas na mesma sacola, a gente vai ficar sem espaço para poder treinar”, lamenta.