“Essa bala feriu todos nós”

Com apoio psicológico, comunidade de Suzano vai se reerguendo para, apesar de tudo, recomeçar

Por Jade Rezende e Júlia Vieira

O tempo nublado em Suzano parece acompanhar o sentimento que alastrou o Brasil após aquela quarta-feira, 13 de março de 2019. Uma garoa fina, mas constante, cai e molha as centenas de papéis de homenagens colocados na parede da Escola Estadual Raul Brasil.

Foto: Jade Rezende

Uma pichação no muro lembra que “essa bala feriu todos nós” e, apesar de “bala” estar no singular, o massacre tirou a vida de 5 alunos e 2 funcionárias. Alberto de Santos Mendes, de 52 anos, a 569 quilômetros de distância, também sentiu-se ferido. O misto de dor e compaixão o trouxe de Londrina, no Paraná, para prestar apoio à comunidade e aos alunos.

A tragédia ocorreu um dia após o aniversário de um dos seus três filhos, dia que, segundo o pai, passará a ser sempre marcado pela dor de Suzano. Pai, avô, esposo e cidadão brasileiro, como se definiu, Alberto considerou como seu dever ajudar os familiares das vítimas.

Quando a reportagem do JC o entrevistou, ele carregava um cartaz escrito “sujaram o nosso chão”. Agora, no entanto, flores colorem o entorno do colégio e homenageiam os que se foram. As portas da escola estavam fechadas na tarde quinta-feira, 21 de março, e permaneceria assim no dia seguinte. Uma equipe estava encarregada de revitalizar o espaço, pintar as paredes, trocar pisos e carteiras. A ideia era ressignificar o local.

Do lado de fora, perto do portão trancado, um grupo de jovens acompanhados de uma senhora ofereciam abraços. “Não tem ninguém aqui, mas vamos continuar e procurar uma maneira de ajudar”. Eles pertencem a um projeto de escolas chamado Avivamento. A maneira que acharam de ajudar foi louvar e recitar cânticos que ecoavam pelos muros do colégio.

Duas rodas de conversa por dia

Fachada da escola continua a receber homenagens. Foto: Jade Rezende

Grupos de apoio psicológico dos mais diferentes lugares vieram até Suzano. Psicólogas do Instituto de Psicologia (IP) da USP compõem uma das equipes. Elaine Gomes Alves, pesquisadora na área de Psicologia de Emergências e Desastres, junto a outras participantes do Laboratório de Estudos sobre a Morte, realizou atividades no Caps, Centro de Atenção Psicossocial de Suzano. Enquanto a escola está fechada para ser revitalizada, os psicólogos oferecerem duas rodas de conversa por dia no Centro, uma de manhã e uma à tarde.

A demanda de pessoas buscando apoio psicológico estava maior do que a estrutura que criaram quando a reportagem do JC visitou o local. Por isso, as reuniões ocorrem em grupo, para ser mais efetiva e possibilitar o diagnóstico de quem precisam de atendimento individual.

Após a roda de conversa, que durou duas horas, a maioria dos presentes foi embora. Segundo Elaine Gonçalves, não apenas vítimas estão comparecendo, mas também adolescentes que não estavam presentes no dia do atentado, pais com medo de mandarem os filhos novamente para a escola e crianças de outros colégios da cidade.

O trauma a ser enfrentado

Um dos garotos que participou da roda, ficou no Caps com seus pais para atendimento individual. Seu semblante mostrava o trauma. Repetia para a sua mãe que não queria voltar, que tinha medo. O que garantia que não aconteceria de novo? A mãe acalmava o filho dizendo que agora teria segurança, que ninguém mal intencionado entraria no colégio.

A resposta da mãe parecia não convencer ou talvez seus pensamentos estivessem falando mais alto. A consciência da morte fazia com que o garoto dissesse que não havia lugar seguro. Em casa, na escola, no trabalho, não importa. Qualquer coisa poderia acontecer a qualquer momento. O trauma o levava ao desespero.

Uma das psicólogas o chamou para a consulta.  Os pais sentaram para esperar. Ele saiu de cabeça baixa, em um pânico interno visível.

Elaine Gonçalves explica que o trabalho dos psicólogos é justamente evitar o estresse pós traumático — e outras patologias como depressão e síndrome do pânico — que pode surgir em situações extremas, em que a vida esteve em risco. A chance de contato com as doenças também existe para quem não estava presente na escola no dia 13.

ATENDIMENTO NO CAPS

Técnicas da psicologia especializada em luto e desastre estão sendo utilizadas nas rodas de conversa. O objetivo é fazer uma descompressão, ou seja, uma liberação de emoções.