“Menos cidade, mais universitária”

Professor da FAU explica os diversos usos dos espaços públicos da USP

Por Beatriz Gomes

Para Caio Amore, o uso dos espaços públicos está em conflito e disputa a todo momento. Foto: Camila Mazzotto

Caio Amore está ligado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP desde a graduação, passando pelo mestrado e doutorado com ênfase em projetos de arquitetura e estudos urbanísticos. Hoje ele é professor do Departamento de Tecnologia e pesquisador do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU.

Procuramos Amore por conta de várias pautas sobre usos dos espaços da USP nesta edição do Jornal do Campus (JC). Sentimos que precisávamos conversar com alguém que pudesse dialogar sobre nossas inquietações e angústias “urbanístico-arquitetônicas”, digamos assim.

E ficamos surpreendidos com a conversa, que durou mais de uma hora. Como seria impossível resumir aqui o conteúdo denso e variado da entrevista, escolhemos as falas − ou “as aspas”, conforme o jargão jornalístico − que tinham relação direta com acessibilidade, catracas e outros temas desta edição do JC.

USP é de quem?

Amore conta que, quando fazia graduação em Arquitetura e Urbanismo na FAU, em 1997, o uso dos espaços na USP era muito diferente. “Tinha um uso muito mais de parque. Todo final de semana havia um show dentro da universidade que era transmitido na TV Cultura. Era muito cheio e começou a ter essa discussão que aqui não é um espaço público, mas um espaço de universidade”.

De acordo com a definição jurídica, espaço público é aquele controlado pelo Estado, como a USP, apesar da autonomia didático-científica, financeira e administrativa. “Ela não tem muros que dividem o espaço entre as unidades, mas aqui temos uma estrutura muito específica em relação ao que está fora dos muros ou vidros da USP.”

A relação das pessoas com os locais tende a ser conflituosa, não só na USP. “Atualmente, mesmo ao longo do dia podemos notar a variação na utilização dos espaços dentro da USP pelas pessoas que circulam por aqui. O espaço não se repete. As condições que o produzem são definidas histórica e socialmente.”

Bicicletas

Para Amore, é visível a diferença entre o ciclista que aluga uma bicicleta para se deslocar até a USP e aqueles que usam o espaço para treino. “No final de semana é muita gente andando de bicicleta, correndo, equipes profissionais com vans. É um uso mais agressivo, porque tem ciclistas profissionais que estão em alta velocidade.”

A discussão sobre os meios e os transportes na USP vai além. O pesquisador chama a atenção para o Bilhete USP (BUSP), reservado a estudantes, docentes e funcionários. Eles não pagam passagem de ônibus, mas Amore nota que, contraditoriamente, o BUSP também impede a mobilidade. “O BUSP tem essa característica: é um bilhete que parece um benefício, mas na verdade restringe e define para quem a entrada é mais facilitada e para quem não é. Nessa operação simples, você dificulta o acesso para quem não é da comunidade USP.”

Acessibilidade

Sobre este tema, Amore vai fundo na questão das rampas da FAU, que “não são acessíveis segundo a atual Norma Brasileira (NBR) 9500. Mas quando foram construídas, eram as melhores rampas da USP. No entanto, mesmo fora da norma atual, ainda são consideradas melhores do que a rampa do prédio da História, na FFLCH, porque a inclinação é mais suave.”

Se ser acessível não era uma preocupação na época da construção da FAU, Amore lembra que hoje existem normas e padrões, com indicações adequadas não só para rampas, mas para elevadores, pisos táteis para cegos, banheiros adaptados. “Passou a ser obrigação em obras públicas no início dos anos 2000. Podemos observar como as estações de metrô construídas nos anos 70 e 80 foram se adaptando.”

Catracas e grades

No final de março, começaram a funcionar as catracas instaladas na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). Amore diz que sempre fica na dúvida se é a catraca que vai dar segurança. “De fato tem depredação, roubo de equipamento, mas é colocando uma grade que você evita isso? Tem mais uma sensação de segurança que é construída socialmente”. Ele ainda pontua que todos esses processos são tensos. Não tem uma solução única, elas partem de um processo de negociação que dura um determinado tempo, em que os próprios usos vão modificando a configuração do espaço.”

Projetos e usuários

Segundo Amore, “não faz diferença, no fim das contas, que a USP tenha sido pensada para os vários usos que possui. Um exercício de projeto que costumamos fazer na FAU é pensar no que poderia ser a partir do que é hoje e não sobre o que poderia ter sido. Por exemplo, podemos pensar que seria importante disciplinar os horários dos corredores de speed? Será que é melhor reativar o velódromo e deixá-lo aberto ao público? Será que é melhor tirar o ponto de ônibus de um lugar e colocar em outro para evitar possíveis acidentes com os ciclistas?”. Ele continua:

Usos privados

“A gente pensa sobre como esse espaço se estrutura como um espaço urbano. Então, todos esses usos que são privados – por exemplo, a lanchonete ou o trailer de comida – estão espalhados e criam novas opções aos usuários. No fim, esses lugares criam uma vivência. São esses usos, que subvertem o uso de um espaço que foi feito somente para passagem, que dão vida para esses lugares. As pessoas se integram ali.”