No banco de reservas

Por Jasmine Olga

Lá em casa, tão tradicional quanto a macarronada do domingo e a cerveja gelada durante a rodada, só a mesa redonda esportiva no fim do dia. Tradição que vem antes mesmo de eu saber o meu nome. Uma delícia se o coringão tiver ganhado. Uma tortura se o resultado não for lá tão agradável.

Sempre quis ser como eles, falar como eles. Ter a autoridade deles. Deles. Levou um tempo para perceber que para adentrar esse mundo eu talvez tivesse que estar munida de cromossomos XY. Esse nunca foi o caso. Mas parecia um caso onde a paixão pudesse dar conta do recado.

Meu relacionamento com o esporte sempre foi peculiar. Para mim, as palavras no papel nunca terão o poder suficiente para explicar a descarga elétrica que corre pelo meu corpo durante o silêncio entre os saques numa final de Grand Slam ou a respiração represada no segundo antes do último pênalti na final do campeonato. Nem a vontade de correr pela sala no momento do match point ou a depressão pós-eliminação na Libertadores. Mas eu sempre quis tentar, mesmo com medo. Mesmo olhando para a TV e não vendo ninguém igual a mim.

Todos os dias  a vida faz questão de lembrar que o jornalismo esportivo é aquele “de quinta”, frívolo perto de temas nobres e refinados, incapaz de mudar o mundo e tecnicamente fraco. Ao mesmo tempo, o jornalismo esportivo me lembra que esse também não é o meu lugar. Imbecil demais para ser jornalismo, nobre demais para ser lugar de mulher. O medo da rejeição, de todos os lados fez com que até mesmo uma ávida fã do esporte (e tenista frustrada, não tenho como negar) como eu, o desprezasse.

Naqueles domingos do começo do texto eu tinha a mais absoluta certeza que o esporte seria a força a me guiar durante toda a minha carreira. Não seria nenhuma surpresa. Sempre foi a entidade ao meu lado, criando minhas primeiras memórias em uma quadra de tênis e me acompanhando nos primeiros gritos de gol. A verdadeira surpresa foi admitir que eu talvez não estivesse disposta a lutar pelo meu espaço ou ser relacionada com algo que a elite intelectual, tão superior aos meros amantes da bola, considere ruim. Pois é, a vaidade matou a paixão e deixei pra lá aquilo que me completa, me satisfaz, que conta a história do que sou.

Me entristece olhar para o lado e ver outras mulheres perdendo o brilho nos olhos. Pensando duas vezes antes de falar. Mulheres no topo de suas classes. Garotas apaixonadas e silenciadas. Mulheres que para conseguir um espaço precisam correr muito mais (e quando chegam lá, são lembradas diariamente que aquele não é o seu lugar). Para João, alcançar seus sonhos costuma ser como receber a bola na grande área e bater pro gol, sem goleiro. Para Maria, é como bater o escanteio, correr para cabecear e ser derrubada pelo João, que joga no seu time.

Por ora, me coloquei no banco de reservas. Ao lado de outras tantas com potencial para a posição titular. Derrubada no meio-campo pelas expectativas da vida. Em transação nada milionária, a vida me levou para o mercado financeiro. Troquei os pontos da tabela do Brasileirão pelos da Bolsa de Valores e os gramados da capital pela Faria Lima.

Lá em casa, tão tradicional quanto a macarronada do domingo e a cerveja gelada durante a rodada, só o barulho ensurdecedor das expectativas frustradas que chegam com o apito final.