Os rostos por trás da maquiagem

Palhaços e contadores de história trazem conforto para pacientes, familiares e profissionais

Por Laura Raffs

Medicina vai além do jaleco branco nas brincadeiras durante o projeto. Foto: Laura Raffs

Comecei a acreditar que o tempo das internações hospitalares não precisa ser sempre ruim quando encontrei a professora Elizabeth e as estudantes Bianca, Priscila e Tatiane na cafeteria do Hospital das Clínicas.

O assunto era um projeto de extensão da Faculdade de Medicina: “O MadAlegria quer humanizar as relações dentro dos hospitais”, explicou Elizabeth.

Entendi logo a frase, dentro de uma salinha pequena em um dos corredores do Hospital, no quarto andar. As voluntárias do MadAlegria trocam as roupas sérias por camisolas de bolinhas, pintam os rostos e se enfeitam com glitter. Assumem a identidade de palhaços e contadores de histórias.

Vestidos os jalecos, a operação se inicia. Eles entram de mansinho nos quartos, os pacientes olham com estranheza para mim, mas logo são envolvidos pela presença dos palhaços e contadores.

Na ala de obstetrícia, duas jovens compartilham o quarto. Estão grávidas e sem acompanhantes, deitadas em silêncio. Doutora Felícia e Berenice se encarregam das apresentações e logo aprumam uma música. Até a mais tímida escapa uma risada quando as palhaças contaram os chutes dos bebês com uma campainha de restaurante.

Alguns quartos à frente, mais comportadas, as contadoras de história conversam com duas mulheres. Gesticulam e encenam uma fábula, enquanto as outras duas sentam nas camas, atentas.

Não é o planejamento das piadas ou genialidade das histórias que capturam a atenção dos pacientes. Nesse momento, é permitido que eles não sejam apenas pacientes. Diante da beleza do comum, do gesto, do toque e da conversa são criadas relações que aliviam o dia-a-dia dessas pessoas. É o contato que todos precisam.

Lembrança afetiva

Uma história que me contaram ainda na cafeteria fez eu lembrar da minha avó, que recentemente esteve internada. Em uma das visitas, a comitiva resolveu cantar uma música muito comum aos meus ouvidos: “alecrim, alecrim dourado…”.

O som veio para alegrar uma senhora de idade que não tinha contato externo há tempos por uma intercorrência grave de saúde. O filho que a acompanhava, alertou: “Não sei se será bom, ela está no hospital faz tempo”.

Mas todos foram surpreendidos quando, em meio às brincadeiras dos palhaços, ouviram a voz continuar com a cantoria. Espero que mais pessoas sejam surpreendidas.

Impasse

Alunos de toda a USP e pessoas da comunidade externa formam a equipe de voluntários do MadAlegria, que atuam no Hospital das Clínicas e Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. No início de 2018, metade da verba direcionada a iniciativa pela Diretoria da Faculdade de Medicina foi cortada.

As aulas do curso preparatório e as visitas monitoradas, atividades realizadas em parceria com os Doutores da Alegria e as arte educadoras Débora Kikuti e Viviane Marques, foram reduzidas, o que ameaça o projeto, pois a formação é parte essencial para os voluntários se habituarem com a linguagem de atuação dos palhaços e contadores.

Agora, eles apostam na reorganização do cronograma e arrecadamento de recursos através de simpósios e doações, além de buscarem apoio externo à universidade.