Sempre elogiada, USP reprova em acessibilidade

Soluções de acessibilidade são iniciativas pessoais, não da Universidade, que falha no atendimento

Por Anny Oliveira

Quarenta mil curtidas e dois mil retuítes. Essa é a média alcançada pelas publicações do Presidente da República. Quantidade inusitada para o calouro da Filosofia e autor do tuíte, Danilo. Tanto a repercussão quanto o que ele encontrou na sala de aula foram situações inesperadas.

Ao iniciar o curso, encontrou seu lugar demarcado. Nos comentários do tuíte, várias pessoas elogiaram a USP pela ação. “Orgulho da minha futura terra”, “USP que nos aguarde”, “USP é outro nível”.

Apenas um comentário contrariava a chuva de parabenizações à Universidade e atribuía outro nome ao feito: Marie. Não era USP, nem mesmo FFLCH. Era Marie quem havia “brigado” para estar tudo em ordem.

Na sala 1007 do prédio da Filosofia, descobri quem era ela. Marie Márcia Pedroso é secretária de Departamento de Ensino. Seu trabalho ali já dura 33 anos. Se hoje a Universidade ainda apresenta problemas de acessibilidade, o que ela viu foi bem pior.

Segundo Marie, as mudanças vieram lentamente. Poucos semáforos sonoros, lugares sem rampa, ausência de equipamentos. “A USP é casa de ferreiro, espeto de pau. Muitas tecnologias saem daqui, mas ainda não estão instaladas no lugar que deu origem a elas”.

Em rede

Se dependesse somente dos altos patamares administrativos da Universidade, a foto postada por Danilo não existiria. Por sorte, existe autonomia na USP e existe empatia e boa vontade. Para contar essa história, Marie parte de um princípio: a Comissão de Acessibilidade da FFLCH. Criada em 2009, deveria atender as demandas de alunos com deficiência. Entretanto, cinco anos depois de sua criação, foi desativada por falta de funcionários.

E assim ficou, até 2016. Foi quando o Departamento de Ciências Sociais recebeu dois novos alunos com deficiência. “Está na legislação, eles fazem o vestibular com equipamentos compatíveis com suas necessidades e a gente não tinha feito nada. Aí a assistente acadêmica me chamou para trabalhar com a nova comissão”. Desde então, nem Marie nem a comissão pararam.

Enfrentando falta verba da Universidade, boa parte das ações realizadas pela Comissão é feita em rede. Ainda em 2016, um aluno se voluntariou para ser o ledor do calouro com deficiência visual. “Tenho uma gratidão enorme a esse menino. Ele me perguntou se tinha algo que poderia fazer. Falei ‘você gosta de ler, o menino das Sociais precisa de alguém que leia’. Era lindo de se ver”.

Também naquela época, foi elaborado um documento levantando o que precisava ser feito em termos de acessibilidade. Uma das sugestões foi implantar sinos de vento nas cinco entradas do prédio. Em casos de emergência, pessoas cegas se direcionam por esses sinos e identificam as portas.

Como isso acabou sendo feito? Graças a uma vaquinha entre pessoas que trabalham ali.

Sinos de vento: ornamentos que servem de orientação. Foto: Giovanna Jarandilha

Surpreso

No caso de Danilo, o calouro que bombou no twitter, não foi preciso uma vaquinha para comprar a mesa ou a fita que demarca o local que ele ocupa na sala. Anos atrás, a faculdade havia adquirido cinco mesas para cadeirantes.

“O ideal é que tivessem em todas as salas, mas ainda não tem. São seis salas e oito turmas que precisariam ter. Pegamos o nome dos alunos, as disciplinas onde estavam matriculados e dado o número de mesas, fizemos trocas de disciplinas de sala para funcionar”, conta a secretária.

Quanto à demarcação do lugar de alunos deficientes, ela explica que a ideia é mostrar para as pessoas que os espaços estão reservados. “Se já tiver começado a aula, alguém já empurrou a mesa, colocou uma carteira ali. Não quer saber do outro, só do próprio espaço. Peço desculpas se de alguma forma ofendeu alguém. A intenção nunca foi inibir. É para que todos vejam que aquele espaço é necessário para alguém”.

Danilo ficou surpreso com a demarcação da sala. Achou um “excesso de zelo”, mas não no sentido negativo. Demarcar facilita. “Na medida do possível, a gente tenta colaborar para que ninguém desista”, finaliza Marie.