2 anos de histórias da Creche Oeste

“Minha pesquisa virou bandeira política a favor da abertura da Creche Oeste”, diz pesquisador

Por Júlia Vieira

Radamés Alves da Silva com sua tese final de pós-doutorado. Foto: Acervo Pessoal

Em 2014, Radamés Alves Rocha da Silva, do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da ECA, recebeu um convite da professora Fernanda, que na época era educadora responsável pela Oficina de Informação. A Oficina era composta por uma biblioteca interativa, projeto piloto idealizado pelo professor de biblioteconomia da ECA, Edmir Perrotti.

Edmir escolheu a Creche Oeste como incubadora de seu projeto.  A existência prévia de uma biblioteca em um espaço de Educação Infantil era de um pioneirismo sem igual nas creches públicas na década de 1980 o que, de acordo com Radamés, atraiu o professor. Com seu projeto, o acervo da biblioteca foi ampliado, o espaço replanejado e o modo democrático de fazer da Oficina transbordou, tornando-se o modo de fazer toda a creche.

A biblioteca interativa aliava a Educação e Arte. Com um olhar estético, os leitores se apropriavam da informação, a recebiam de uma forma diferente, mais direta. Para o então doutorando Radamés, a linguagem visual havia invadido todos os cantos da Creche Pré-Escola Oeste. E foi por este projeto que a Oficina se tornou seu objeto de pesquisa.

Ele começou a preparar a metodologia e o trabalho de campo no final de 2016, meses antes da Creche ter suas portas fechadas pela Reitoria. Conta que, quando chegou para as primeiras visitas, o clima no local já era de instabilidade.

Após o fechamento da Creche, sobre o qual não houve qualquer anúncio por parte da Reitoria, Radamés precisou alterar a metodologia  de sua pesquisa, por conta da inviabilidade de realizar pesquisas de campo na biblioteca interativa que ficava naquele espaço. Mas a Creche Oeste continuou sendo seu objeto de estudo.

“A minha pesquisa acabou somando também à bandeira política em favor da abertura da Creche Oeste”. Ele redirecionou seu projeto não apenas em favor da existência da creche, mas também para sua resistência. Para Radamés, o trabalho da Creche Pré-Escola Oeste é referência para os estudos sobre crianças, infância e Educação Infantil, e deve continuar respirando.

Na apresentação que fará durante a defesa de sua tese de doutorado, neste próximo dia 16 de maio, Radamés defenderá que tudo o que foi produzido na creche nos âmbitos do Ensino, Pesquisa e Extensão deve ser considerado patrimônio material, imaterial e cultural da USP, por sua importância e pioneirismo.

 

“Fechamento da creche foi como trator passando em cima de um jardim”, diz professora

A continuação do trabalho realizado naquela unidade foi interrompida sem nenhum tipo de processo junto à comunidade

Tirada quando a Creche Oeste ainda funcionava, imagem mostra a delicadeza do trabalho realizado. Foto: Acervo Pessoal

Fernanda* trabalhou durante 15 anos na Creche Pré-Escola Oeste. É quase uma vida. Graduou-se em Filosofia na FFLCH, quando foi aprovada em concurso para atuar na Educação Infantil nas creches da universidade. Encantou-se com a área e decidiu cursar Pedagogia, solidificando sua formação. Até hoje, dedica-se à educação das crianças pequenas. Falar sobre o trabalho realizado pelas creches da USP faz seus olhos brilharem.

Após o fechamento da Creche Pré-Escola Oeste em 2017, Fernanda passou a exercer sua função em outra unidade. Lembrar do fechamento da creche, e falar sobre as mudanças bruscas que ocorreram na vida de toda sua comunidade, fez com que o brilho de seus olhos se transformasse em lágrimas. “A imagem que me vem é a de um trator passando sobre um jardim de margaridas”, lembra a professora sobre a decisão da reitoria de encerrar as atividades da creche.

Há mais de três décadas em funcionamento, a unidade era uma das pioneiras em ir além da função assistencial, num momento em que se começava a construir o lugar das creches no âmbito da Educação. Para Fernanda, a visão assistencialista, que a Reitoria demonstrou ainda ter, ao fechar a unidade sem nenhum tipo de processo junto à comunidade, é um completo retrocesso.  

Para Fernanda, o espaço não era apenas um local onde as educadoras e educandos ficavam. As suas paredes contavam histórias, a horta plantada pelos alunos crescia,  espaço pertencia à comunidade, que a construía como lugar vivo no presente e como guardião da memória de todos. Era um trabalho realizado com toda a delicadeza necessária para escutar, cuidar e educar crianças.

O fechamento da creche foi uma experiência tão dura que muitos profissionais não retornaram ao espaço depois disso. Há relatos de crianças que sofreram para se adaptar à creche para a qual foram realocadas. Retiradas de seu espaço, foram privadas de parte importante de seu mundo.

*Nome fictício, a professora preferiu não se identificar