A vida de Thiago Torres, ‘o chavoso da USP’, depois do post

“Agora, não consigo diferenciar se estão me encarando para julgar ou porque me reconheceram”, brinca o estudante

Por André Romani

Foram mais de 55 mil curtidas e 16 mil compartilhamentos no Facebook. Isso só no post original, sem contar as muitas entrevistas que concedeu posteriormente.  A história do estudante Thiago Torres, de Ciências Sociais, ficou famosa dentro e fora da USP. Seu relato de como é crescer em periferia e estudar na maior universidade do país, mantendo o estilo “chavoso”, caracterizado, entre outros acessórios, por meia na canela, óculos juliet e boné, viralizou pelas redes sociais e alcançou milhares de pessoas.

Muitos conheceram a história de Thiago, seja pelo post ou pelas reportagens, e todos os problemas que enfrenta na USP. O Jornal do Campus, no entanto, foi entender o que mudou para o estudante de apenas 19 anos depois de toda essa repercussão. Confira a entrevista na íntegra no áudio a seguir.

 

Qual foi a reação das pessoas depois do post? Elas te reconheceram na rua? Eu era bastante encarado aqui dentro da USP, porque me visto diferente de praticamente todo mundo. Isso continuou depois do post. A questão é que, agora, não consigo diferenciar se estão me encarando para julgar ou porque me reconheceram. Mas teve sim muita gente que veio falar comigo para elogiar e dar parabéns. Por exemplo, um dia, estava no bandejão e uma menina falou que o amigo dela, da EACH, era muito meu fã, e pediu para que eu mandasse um áudio para ele.

Foto: Larissa Santos

Qual o saldo que fica? É positivo. Meu post era para alcançar as pessoas pobres, de quebrada, e inspirar elas. E eu vi que consegui o que queria. E não fiquei limitado ao texto. Comecei a ser chamado para dar entrevistas, atingindo mais pessoas ainda. Depois disso, realizei uma palestra em escola pública, de periferia. Por enquanto, só realizei uma, em São Mateus, zona Leste de São Paulo, mas tenho outras dez marcadas. Vou dar continuidade com esse trabalho de dialogar com o pessoal da quebrada e de incentivar eles a estudarem e perceberem o quanto é importante.

Foto: Rebecca Gompertz

Explica melhor a história das palestras. Uma professora entrou em contato comigo pelo Facebook e a gente começou a marcar. Foi uma experiência maravilhosa. Uma das melhores da minha vida. Estudei a vida toda em escola pública, mas foi sensacional ir, não como estudante, e sim como uma referência para os alunos. Eram crianças de 10 a 12 anos. Foram extremamente receptivas comigo e gostaram muito de mim. Primeiro, porque se identificaram com o meu jeito de vestir. Eles perguntavam: ”quem é esse, é cantor? funkeiro?”  Depois da palestra, vieram pedir para tirar foto, teve até alguns querendo autógrafo. As crianças me adicionaram no Facebook e começaram a comentar nas minhas fotos e me chamar no messenger, falando o quanto eu tinha sido inspirador.

Foto: Larissa Santos

Sobre o post em si, por quê acha que viralizou? Acho que o principal foi isso. Tem entrado cada vez mais pessoas negras e de periferia na USP. Então, muitas dessas pessoas podem ler meu post e pensar que falo como se fosse o exclusivo, que só tivesse eu com esse perfil na USP. Mas tenho esse diferencial que é a forma de me vestir. Aqui na USP, só vi umas três, quatro pessoas assim. Mesmo num grupo de pessoas negras e pobres, me destaco. Normalmente essas pessoas acabam querendo se adequar ao ambiente, seja na vestimenta, na fala ou no comportamento. Eu não. Não vou perder meus costumes. Vou me vestir desse jeito mesmo e falar do jeito que quiser. A USP foi feita pensando nas pessoas brancas e ricas e se estou aqui dentro, não vou ocupar simplesmente para me adequar ao local, quero transformá-lo. A universidade tem que deixar de ter essa cara da elite e ser mais parecida com o povão. Também ajudou o modo como escrevi, com gírias e erros gramaticais de propósito. E ter contado a realidade nua e crua, com muita emoção.

Foto: Rebecca Gompertz

Você entrou em 2018 na USP. Tem algum motivo especial para ter feito esse post pouco mais de um ano depois? O ápice para escrever aquele texto foi quando visitei um amigo muito próximo, alguns dias antes, em São Mateus. Da última vez que tinha ido lá, ele estava em uma condição normal, estudando e trabalhando. Quando voltei, depois de meses, ele tinha saído de casa, porque estava com muitos conflitos familiares, estava usando muita droga, tinha largado o emprego e morando de favor na casa dos outros. E aquilo foi muito triste para mim. Eu já tinha visto outras realidades assim, mas me chocou muito pelo fato dele ser muito próximo, sabe? E ele é negro, também. Quando parei para pensar na condição que ele as outras pessoas negras e pobres estão na quebrada; e as condições que as pessoas brancas de classe média e ricas estão aqui na USP; e como é absurda essa diferença; fiquei muito triste, revoltado e chocado. Foi muito forte.

Foto: Rebecca Gompertz

Por quê você escolheu Ciências Sociais? Aqui, na sociais, os calouros sempre respondem a essa pergunta dizendo que querem mudar o mundo. E é isso mesmo. Não acredito que só estudando ciências sociais vou conseguir. Desde criança fui uma pessoa com senso de justiça e igualdade. Conforme fui crescendo, percebi a forma como a sociedade é extremamente desigual e opressora. E isso me revoltou de um jeito, que precisava ajudar a lutar de alguma forma. Quero fazer como no post: dialogar com meu povo. Uma maneira de fazer isso é com esse trabalho na internet, mas não é todo mundo que tem acesso. Então, outro jeito seria sendo professor, dando aula na periferia e tendo contato com o pessoal, trocando uma ideia, passando diferentes visões de mundo para eles. Ou até entrando para política e outras áreas. Enfim… mas para fazer isso, preciso ter uma bagagem. Se quero mudar a sociedade tenho, primeiro, que entender como ela funciona.