Acusado de 6 estupros durante a graduação, ex-aluno é médico em Pernambuco

Um dos processos contra o estudante da USP ainda está aberto em segunda instância após envolvidos terem entrado com recurso com segredo de justiça

Por Mariangela Castro

O mais famoso caso de estupro da USP ainda não acabou, pelo menos na Justiça. Após idas e vindas, o último movimento do processo ocorreu em abril deste ano, quando uma das partes entrou com recurso – como a ação segue em sigilo, não há maiores informações, a não ser o fato de que o acusado, agora médico, atua em Pernambuco.

Debora, estudante do 5° ano da FMUSP e membra do Coletivo Feminista Geni, da faculdade, contou a história dos estupros dezenas de vezes – e uma delas foi para mim. O primeiro aconteceu em 2012. A vítima, estudante de enfermagem, alega ter sido drogada por Daniel Tarciso da Silva Cardoso e sexualmente abusada. Ela denunciou o casa para a polícia e para a FMUSP.

Essa denúncia foi julgada em 2015. O juiz Klaus Marouelli Arroyo, da 23ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, absolveu o estudante alegando falta de provas – na época, o absolvido era aluno da USP.

Não foi a primeira absolvição: acusado de assassinato anos antes, não foi condenado porque alegou legítima defesa. Ex-policial militar, foi exonerado do cargo antes de ingressar em Medicina. Acusado durante o curso, Daniel foi absolvido, retornou à faculdade e, mesmo contra uma avalanche de protestos, colou grau em 2017.

Reincidência

Após a primeira denúncia, outras vieram. Mais 5 mulheres estudantes tiveram coragem e força para falar sobre a vez em que foram sexualmente violentadas por Daniel Tarciso da Silva Cardoso.

Este segundo conjunto de denúncias levou a um novo processo, que apesar de correr em sigilo, ainda tramita. Daniel havia sido absolvido em segunda instância em agosto de 2018, mas uma das partes entrou com recurso em abril deste ano.

“Algumas das garotas que expuseram seus casos foram tratadas com muita hostilidade, sofreram um ostracismo muita grande, muitas foram humilhadas em hospitais e ameaçadas de não passar na residência. Nenhuma das outras meninas teve coragem de fazer uma denúncia contra ele”, explica Débora.

Para os institutos e para a grande parte dos alunos, as mulheres que falavam do estupro que sofreram estavam sujando o nome da faculdade. A primeira denunciante trancou a matrícula e nunca conseguiu se formar.

Recusado em SP, aceito em Pernambuco

Após o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo negar o seu registro profissional alegando “defesa da sociedade”, e antes de ser absolvido, Daniel obteve registro do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco. No site do conselho, o CRM 25580 consta como regular. Porém, os campos endereço e telefone não foram preenchidos.

O médico está em atividade em uma maternidade. Segundo documento emitido pelo Conselho Federal de Medicina, ao qual o JC teve acesso (protocolo 6514/2018), no ano passado, Daniel estava trabalhando na Maternidade Argemira Soares do Rego Barros, em Gameleira (PE).

Eva Blay, coordenadora do USP Mulheres, informou que tanto o movimento feminista de Pernambuco quanto o Conselho Médico foram alertados sobre os casos de estupro do estudante formado pela USP.

O JC tentou entrar em contato com Daniel, mas não foi encontrada nenhuma rede social, email ou telefone.

CPI dos trotes

Os 6 estupros cometidos por Daniel não foram inéditos na Universidade de São Paulo. Eles estão descritos CPI dos Trotes, instaurada em 2014 na Alesp, em consequência dos relatos. Esta comissão reuniu ocorrências de violências físicas e discriminações de todo tipo em todas as universidades paulistas.

Na USP, mais de 100 casos de estupro foram constatados no relatório final. Em um mapeamento realizado pelo Jornal do Campus em 2018, cerca de 130 estupros foram denunciados nos últimos cinco anos, dentro da Universidade de São Paulo.

Resposta da Faculdade

O Jornal do Campus entrou em contato com a Faculdade de Medicina da USP para a realização de uma entrevista sobre o caso do Daniel Tarcísio da Silva Cardoso. Em resposta, a Faculdade enviou a seguinte nota:

Em atenção ao vosso pedido de entrevista sobre Daniel Tarcisio da Silva Cardoso esclarecemos que no âmbito desta Faculdade de Medicina e da Universidade de São Paulo todas as medidas institucionais e legais aplicáveis foram rigorosamente adotadas. Em adição, informamos que o presente caso de igual modo foi apreciado pelo poder judiciário resultando na absolvição pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Por fim, ressaltamos que não dispomos de qualquer outras informações inerentes à pessoa referenciada.”

Mulheres, como proceder

“A primeira coisa, o principal, é ir em um posto de saúde nas 72 primeiras horas para tomar medicamentos e evitar gravidez e DSTs, isso é fundamental, mesmo antes de ir na política.”, diz Eva Blay

“Em seguida, a vítima pode entrar no aplicativo de segurança da USP e solicitar imediatamente a política da Universidade para fazer a denúncia. É importante não tomar banho.”

Após a denúncia ser feita, a estudante deve procurar a Comissão de Direitos Humanos de sua respectiva unidade. A Comissão é responsável por avaliar ao caso e informar a diretora ou diretor. Este, abre uma Comissão Sindicante, composta por 2 ou 3 professores e 1 funcionário, para analisar o caso. A partir disso, o processo é encaminhado a Procuradoria Geral da USP, ela que decide se irá expulsar o agressor, suspendê-lo ou se as provas “não são suficientes.”