Agora, quem faz diagnóstico médico é o algoritmo

Pesquisa no Laboratório da Faculdade de Saúde Pública visa decisões médicas mais acertadas

Por Mariangela Castro

Alexandre Chiavegatto é coordenador de Laboratório na Faculdade de Saúde Pública. Foto: Jonas Santana

Em uma aula de biologia, quando os professores explicam uma doença, geralmente o assunto é dividido em quatro tópicos: transmissão, sintomas, tratamento e prevenção. Os alunos aprendem que água parada pode atrair o mosquito da dengue, que fumar pode gerar câncer de pulmão e que comer muita fritura pode causar infarto.

No entanto, na vida real, uma infinidade fatores são importantes para definir se uma pessoa vai ou não desenvolver determinada doença. Escolaridade da família, local de residência, gênero e até salário também devem ser analisados.

Suponha que em 2024 você vai morrer de infarto. Se todos os fatores que te compõe enquanto ser humano fossem analisados, o infarto poderia ser previsto e prevenido. A maioria dos aspectos do paciente escapam à mente e ao olhar do médico; mas não escapam dos cálculos de um algoritmo.

É este o trabalho de pesquisa que o LABDAPS (Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde) desenvolve na Faculdade de Saúde da USP. “O fazemos aqui é utilizar a inteligência artificial para tomar decisões inteligentes na área da saúde. Pegamos os mesmos algoritmos do Google e da Netflix, por exemplo, e eles analisam todos os fatores que podem levar a uma possível doença ou óbito”, explica Alexandre Chiavegatto, professor livre-docente da faculdade e coordenador do laboratório.

Estudo com idosos

Para se ter uma ideia do trabalho desenvolvido, um estudo recente do laboratório analisa o risco de idosos em São Paulo morrerem nos próximos cinco anos. Para isso, primeiro a Faculdade de Saúde Pública selecionou 2000 idosos que desejassem participar, colheu todas informações possíveis sobre eles e os acompanhou durante cinco anos.

Então os dados de uma porcentagem deles, incluindo se morreram ou não, alimentaram o algoritmo. “O programa aprende com estes dados, cria regras e a partir disso pode analisar o passado e a identificar o risco de óbito em pacientes futuros”, explica Chiavegatto.

No momento em que o algoritmo estava “treinado”, foram inseridos dados da outra parcela de idosos, e o próprio computador disse se essas pessoas irão morrer ou não. “A gente conseguiu provar neste estudo que, com dados, os algoritmos já são capazes de dizer se uma pessoa vai morrer ou não. Se conseguirmos mais dados, será possível dizer inclusive qual doença ela irá desenvolver e em que momento da vida; então o médico pode tomar medidas preventivas e tratar o problema antes dele surgir”, diz o professor.

Hoje, o laboratório possui três principais parceiros. São eles: o Instituto do Coração (InCor), a Feocruz (Faculdade de Educação de Osvaldo Cruz) do Rio de Janeiro, e a Universidade Harvard. Além do estudo em idosos, pesquisas recentes analisam o risco de óbito em determinados municípios de São Paulo e a expectativa de vida em pacientes terminais.

Neste último caso, um médico pode decidir, com a ajuda do algoritmo, se vale a pena investir em tratamentos agressivos ou se é melhor garantir qualidade de vida de pacientes com doença terminal.

 
Pesquisa da USP será implantada em dois estados

Algoritmo pode tomar decisões melhores que o médico, mas juntos trabalharão muito melhor

André Batista, pós-doutorando, explicando o funcionamento do algoritmo. Foto: Jonas Santana

Nos próximos meses, o algoritmo desenvolvido no Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (LABDAPS) será implementado em dois hospitais públicos brasileiros, na Bahia e em Minas Gerais. “Estes são apenas os primeiros testes, eventualmente pretendemos chegar em todas as unidades SUS do Brasil.”

Através de convênio com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS, o uso real do algoritmo será a aplicação real de uma pesquisa que pode atingir milhões de pessoas.

Em hospitais e outras situações emergenciais, decisões de vida ou morte são tomadas muitas vezes com base somente na intuição do médico. Para Alexandre Chiavegatto, isso pode ser muito prejudicial, principalmente em áreas rurais, onde não há tantos profissionais especializados.

“No interior do Brasil, geralmente temos um médico clínico geral que atende todos os tipos de pacientes. Um algoritmo que auxilia esse médico a tomar as melhores decisões possíveis pode salvar a vida de muitas pessoas”, defende o professor.

O objetivo final do LABDAPS é conseguir implementar o algoritmo em hospitais ao redor do país. Com uma grande quantidade de dados cadastrados, seria possível, num hospital, fazer a triagem e receber um indicativo do algoritmo sobre qual é a situação do paciente.

Ampliação é a meta

Para Chiavegatto, o grande desafio para tornar este sonho realidade é organizar os dados. “Todas as informações estão registradas nos hospitais, mas a maioria dos prontuários ainda são em papel. Quando tudo for armazenado em computadores, será muito mais fácil”, comenta.

Futuramente, com todos os dados necessários, os médicos poderão solicitar ao aplicativo a porcentagem de risco para uma doença de um determinado paciente, e então agir com mais eficácia com base na informação recebida.

Em termos de tecnologia, o professor completa que o laboratório da USP “não fica atrás de nenhum outro grupo do mundo, está na fronteira do conhecimento científico”. São oito pesquisadores trabalhando no LABDAPS, que se mantém com investimento do CNPq, da Fapesp, da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP e da Fundação Lemann.

Antes de fazer doutorado direto na área da saúde e pós-doutorado em saúde pública em Harvard, Alexandre Chiavegatto se formou em economia na FEA – e sempre teve interesse por dados. “Eu acho que dados são importantes para melhorar a nossa tomada de decisões, e em nenhuma área isso é tão importante quanto na área da saúde.”

Ao ser questionado sobre qual olhar é mais apurado, o da máquina ou o do humano, Chiavegatto responde que, separados, estudos mostram que o algoritmo toma a melhor decisão. No entanto, juntos, eles trabalham muito melhor. “O profissional da saúde também é capaz de captar nuances, a ideia não é excluir um para implementar outro, e sim fazer com que eles trabalhem em conjunto”, explica.