Aluna da medicina recebe troféu masculino em competição de xadrez

Amanda bateu o pé para conseguir o troféu. Quando conseguiu, descobriu que o prêmio não era exatamente o que esperava

Por Anny Oliveira

Arquivo pessoal / Facebook

Foi um dia histórico para o xadrez: três mulheres empatando como vencedoras de um campeonato. A segunda edição da Copa MedChess era toda delas. No desempate, Amanda Fontella, aluna de Medicina da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), conseguiu o primeiro lugar. Porém, embora as três tenham vencido na categoria absoluta, a organização ofereceu a elas o troféu feminino. Amanda não aceitou. Insistiu no troféu absoluto. Com o regulamento a seu favor, acabou conseguindo. Só tinha um detalhe: a inscrição no troféu dizia “1º lugar masculino”.

Existem dois tipos de torneio no mundo do xadrez. Em um deles, o “absoluto” e o “feminino” são categorias distintas. A categoria “absoluto” existe justamente para que mulheres possam escolher em qual disputar. Em outros tipos de torneios, as duas categorias coexistem e os jogos são mistos. O “feminino” permanece como uma forma de incentivo às mulheres. Afinal, é para isso que a categoria surgiu.

No MedChess, os jogos eram mistos. Homens e mulheres deveriam participar em condições isonômicas. Do primeiro cronômetro ligado até a entrega de troféus. Não foi o que aconteceu.

“Como era ‘absoluto’ e ‘feminino’, a primeira coisa que eu pensei foi isso: eles não esperavam que uma mulher fosse ganhar e já fizeram o troféu assim mesmo. Tanto que ele não se retratou em nenhum momento [durante o torneio], só entregou”, conta Amanda.

A retratação até veio. Mas só depois da repercussão do texto de Amanda, publicado no Facebook.

Elas

Se as três abrissem mão do prêmio absoluto, o primeiro lugar de Amanda iria para o quarto colocado, que por acaso era seu colega de equipe. Ter o primeiro lugar em dobro seria perfeito para sua Atlética. Ele se negou, assim como ela. Ganhar esse prêmio significava muito para Amanda, que aos 13 anos foi recusada pelo clube de xadrez de sua cidade-natal. O clube era só para homens.

Estar ali era igualmente importante para Rebeca Lot, terceira colocada do absoluto pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Ao contrário de Amanda, ela não foi proibida de entrar no clube de sua cidade. Contudo, era sempre colocada de lado nos jogos. “Em uma partida, um deles me falou que lá eles ‘não perdiam para garotinhas’. Quando decidi ir embora, um outro, mais simpático, me disse ‘menina, você sabe que esse lugar não é adequado para você'”. Ela sabia, e mesmo assim continuou indo.

Depois do ocorrido, se sentiu motivada a procurar um professor de xadrez na internet. E mais uma vez, recusada: contatou dois jogadores que admirava e ambos não treinavam mulheres. Decepcionante. Mas não era o primeiro e não seria o último obstáculo.

Em meio à polêmica das categorias, Rebeca preferiu o troféu feminino. Como tudo aconteceu muito rápido, ela acabou não se envolvendo na mobilização pelo prêmio. A estudante acredita que foi um engano “inocente”, porém reconhece o simbolismo da colocação. “A classificação no absoluto era um direito dela”.

Foto: Anny Oliveira

Eles

O torneio foi organizado por Anderson Willians, árbitro no Clube de Xadrez São Paulo. Ele não nega a narrativa de Amanda: ela ganhou, ele ofereceu o outro prêmio.

Com a ajuda de outras pessoas, ela exigiu o absoluto. Explicou o porquê era tão importante para ela. Ele se preocupou com o fato de que “os meninos ficariam sem troféu”. O regulamento foi conferido. Ele teve de ceder. Antes do discurso de premiação, parabenizou os meninos por terem “deixado as meninas ganharem”. E entregou então o troféu “masculino”.

Em sua defesa, ele diz que foi um engano. Na primeira edição, o troféu veio como “absoluto”. Entretanto, dessa vez, Anderson, que trabalha com outros esportes, esqueceu de avisar a gráfica.

Pela situação como um todo, que quase lhe custou o emprego, ele pede desculpas. “Serviu de aprendizado”.