Desvalorização de Filosofia e Sociologia vai do Ensino Médio à pós-graduação

Sucessivos cortes e mudanças na política pública educacional prejudicam duas áreas indispensáveis para a formação cidadã

Por Luciana Cardoso

Arte: Giovanna Jarandilha

Como Galileu, Francis Bacon, Copérnico e Descartes seriam vistos se fossem nossos contemporâneos? Grande parte dos maiores pensadores ao longo da história da humanidade eram polímatas: tinham grande conhecimento em áreas diversas. “Eles não eram matemáticos, físicos. Eram, antes de tudo, filósofos no sentido de amor ao conhecimento completo”, explica Alan Rizério, estudante de Filosofia da Universidade de São Paulo.

Graduado e mestre pelo Instituto de Psicologia da USP, Alan optou pela Filosofia para ter uma melhor compreensão do primeiro curso. O estudante aponta que este caminho é comum entre outros profissionais. Engenheiros, médicos, psicólogos e advogados retornam à Universidade e buscam a Filosofia para melhorar o embasamento da sua formação inicial.

Segundo fontes ouvidas pelo JC, fragmentar o conhecimento colocando-os em caixinhas, significa perder a oportunidade de ter a visão do todo. O saber filosófico ajuda na construção do pensamento e raciocínio crítico, importante para a leitura de mundo e também resolução de problemas matemáticos, desde uma simples divisão de chocolates à  escolha de metodologia adequada para pesquisas científicas. A filosofia também é fundamental para entender limites éticos e epistemológicos.

Talvez por não serem tão óbvias, as contribuições filosóficas não sejam tão perceptíveis, mas foi a partir de pensamentos filosóficos que a Teoria da Relatividade e a missão espacial Cassini-Huygens chegou à Saturno, por exemplo. Essa fragmentação do conhecimento limita a nossa ideia de totalidade e essa “separação entre ciências duras e humanas é artificial e, à medida que segmentamos o conhecimento, perdemos a visão do todo”, reflete Rizério.

Desvalorização no ensino Médio

Filosofia e Sociologia são ofertadas apenas no ensino Médio, com uma aula semanal. Na proposta da Reforma do Ensino Médio aprovada no governo Temer, essas disciplinas são optativas, sendo ofertadas de acordo com a predisposição da instituição de ensino.

Como entender o desmonte e propostas que deslegitimam a produção do conhecimento científico voltados para pensar a sociedade? Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para Clayton Rodrigues o currículo e a carga horária reduzida de Filosofia e Sociologia são estratégias para enfraquecê-las, tornando as mesmas dispensáveis no currículo.

“São 20 turmas, aproximadamente 560 alunos e falta o recurso primordial, que é o tempo.” Além disso,o professor Clayton aponta que a maioria das escolas conta apenas com um professor de Filosofia e um de Sociologia, ou têm o mesmo professor compartilhado com outras instituições.

Isso limita a troca pedagógica entre entre áreas de conhecimento, o que enriquece a prática docente.  O professor ainda critica projetos curriculares de Sociologia, que não levam em consideração essas limitações, principalmente relacionadas ao tempo.

Rodrigues acredita que  o que garante a utilidade de uma disciplina não são argumentos de utilidade ou de cientificidade, mas uma articulação profissional como categoria, tentando lutar por espaços e pela criação de dispositivos institucionais e não institucionais em todas as instâncias possíveis.

A Base

Aprovada em 2018,  Base Nacional Curricular Comum (BNCC) está dentro de um contexto maior do que apenas o campo da educação. É necessário, nesse caso, uma visão da nossa sociedade no geral e, ironicamente, fazer uma leitura crítica.

Com as reformas constitucionais aprovadas e previstas, um ensino de formação mais tecnicista e menos crítica casam com um projeto de segmentação do conhecimento e a perda da visão da ciência como um todo.

Consequentemente, a Filosofia e a Sociologia (e ainda Artes, História e Geografia), são vistas como secundárias.
OPINIÃO

Liberal ou socialista, compreensão da sociedade é fundamental

O ensino de Filosofia e Sociologia sofrem ataques nos projetos políticos educacionais, seja no ensino básico, com a Reforma do Ensino Médio de Temer, ou na diminuição de recursos para os cursos de graduação, com o atual ministro.

Com a justificativa insustentável de não terem peso na formação e inserção no mercado de trabalho, essas áreas do conhecimento sofrem com a redução de investimentos e de carga horária.

Diminuir a importância da Filosofia não é só desprezar um curso de graduação: é ignorar que ela é a base para a construção do conhecimento científico de séculos, seja em qual área for. Como se constrói uma leitura de mundo sem isso?

E questão vai além de retorno financeiro para a sociedade: trata-se de saber questionar, entender contextos, refletir sobre. Na pesquisa, a Epistemologia, um pensamento filosófico sobre as condições de produção do conhecimento, é fundamental, sem contar a ética, discutida em todos os campos de atuação profissional.