Em meio às pauladas, três pilares da UFABC

Alunos, professores e reitoria saem em defesa da universidade mais jovem do estado

Foto: Arquivo UFABC

Por Pietra Carvalho

Caçula entre as universidades de São Paulo, a Universidade Federal do ABC foi um projeto sancionado em 2005 pelo presidente Lula. A ideia do Ministério da Educação ganhou vida há apenas 12 anos, acumulando em sua curta trajetória uma série de avaliações positivas em rankings universitários.

Entre as instituições de ensino superior do Brasil, a UFABC liderou o último ranking de impacto econômico e social da Times Higher Education (THE) e o quesito internacionalização do ranking universitário da Folha de São Paulo por seis anos seguidos, graças a sua integração com institutos estrangeiros.

A UFABC foi pioneira em substituir os temidos semestres por três períodos,  de quatro meses ao ano. E a grade dos cursos de Santo André e São Bernardo do Campo cobram interdisciplinaridade.

Na UFABC, quem opta pelas exatas,  depois de um ciclo básico de dois anos, é obrigado a obter créditos nas ciências sociais.

Reitoria

No dia 30 de abril, a reitoria foi surpreendida com os cortes de 30% no orçamento das chamadas despesas discricionárias, como água, luz e internet.

Em nota oficial, o reitor Décio Matheus informou que o bloqueio de verba afeta a conclusão de obras, aquisição de livros e equipamentos para laboratórios.

“O governo federal deixará de repassar R$ 15,9 milhões dos R$ 53,3 milhões previstos na Lei Orçamentária de 2019, no qual a Universidade baseou o seu planejamento acadêmico e os compromissos financeiros para o ano em vigor”, completou a nota.

A prioridade da reitoria é preservar o financiamento estudantil e manter o funcionamento das instalações. Os responsáveis pediram a cooperação da comunidade da UFABC para um acompanhamento atento dos desdobramentos das ações do governo.  

Professores

Os docentes da UFABC estão levando a sério a recomendação. Entre eles, a  professora Cristine Zanella, do curso de Relações Internacionais há dois anos, avalia que os principais impactos do contingenciamento de Bolsonaro serão nas áreas que ele pretensamente deseja proteger.

“Estes cortes têm uma característica paradoxal, já que não afetam as despesas vinculadas, de salários, por exemplo, e sim luz, água e outras coisas necessárias ao funcionamento dos laboratórios. Nós, das humanas, essencialmente não precisamos deles. Mas estes mesmos espaços são intrínsecos às ciências exatas, que precisam de recursos como a refrigeração, por exemplo.”

A doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) lista facilmente os projetos mais interessantes nos quais se engajou em seu tempo na UFABC. Um deles, Cinema e Sul Global, abordava a questão da migração, fronteiras e o papel da mulher nos países em desenvolvimento do hemisfério sul, sob a visão de alguns filmes.

“Nós discutimos a cultura e a relação de poder que se estabelece com essa cultura. O ABC se estruturou como uma região de trabalhadores e a universidade por meio destas extensões pode expandir o universo da população”, explica, orgulhosa da grande adesão da terceira idade às propostas.

Sobre suas perspectivas para o futuro, Zanella prefere refletir em um cenário macro. “É aquilo que dizem: quem não se conhece, não sabe para onde vai. Os protestos servem para visibilizar o que fazemos, que é produzir ciência dentro de um país em desenvolvimento. Piores mesmo são as minhas expectativas para todo o país. Estamos construindo um país menos consciente de suas deficiências, fundado em desigualdade e brigado com o próprio futuro da nação.”

Alunos

Os estudantes da UFABC também participam ativamente das discussões da universidade e ocupam os espaços do campus inclusive nos finais de semana e nas madrugadas, se engajando nas produções científicas e em seus projetos paralelos.

Laura Passarella, vice-presidente do DCE UFABC, é uma delas. Sua maior preocupação com o futuro depois dos cortes também são as condições de permanência dos alunos cotistas e de baixa renda, maioria na federal do ABC.

“Desde o ano passado, inúmeras bolsas de Iniciação Científica, projetos de extensão e  pós graduação foram cortadas e nesse cenário a situação só piora.”

A universitária também menciona que o subsídio do Restaurante Universitário, o bandejão da UFABC, também está em risco. “Hoje o RU da UFABC já é um dos mais caros do Brasil, com preço de 4,94 para estudantes. Com os cortes, a universidade pode reduzir ainda mais o subsídio, elevando o preço e piorando a situação da permanência.”

Mesmo em recesso, graças ao sistema quadrimestral dos cursos, o corpo discente da universidade continua engajado na luta contra os cortes orçamentários do governo. “Aprovamos e realizamos panfletagens nos trens do ABC Paulista para denunciar os cortes. Levar essa discussão para fora da universidade é essencial, e ir aos trens conversar com a população é uma ação extremamente necessária para fazermos essa luta conjunta”, detalhou Passarella, comemorando a adesão de mais de mil estudantes da federal aos protestos do último dia 15.

Dentre os projetos mais notáveis dos estudantes, a vice-presidente do Diretório destaca a Escola de Formação Popular, que desde janeiro tornou-se oficialmente um projeto de extensão universitária. Fundado em 2018, ele leva estudantes da federal e apoiadores do atual DCE para auxiliar os jovens do bairro Zaíra, em Mauá, a ingressar nas universidades públicas e no mercado de trabalho.

“O território de Mauá foi escolhido porque, apesar de estar a apenas 13 Km do Campus de Santo André, ele não tem espaço na universidade pública. As taxas de ingresso na UFABC, por exemplo, têm diminuído nos últimos anos.”

Para ser acessível ao jovem trabalhador, a escola funciona com encontros aos sábados, onde são realizadas aulas de aprofundamento dos conhecimentos históricos e científicos, além de oficinas e debates, visando a emancipação da juventude periférica pela proposta de uma educação popular.