Mostra do Cinusp captura diferentes tons do cinema árabe

Seleção de obras é um retrato plural sobre sociedade que, para ocidentais, ainda é coberta de estigmas

Por Daniel Medina

Não é incomum que expressão “mundo árabe” somatize mundos correlacionados, mas não necessariamente iguais. O termo não é, em si, um problema, e diversos fatores permitem essa associação, como a própria língua, mas a generalização traz prejuízos para o entendimento da diversidade.

“O mundo árabe é possivelmente uma das culturas que mais sofre preconceitos e estigmatização no mundo”, comenta o professor de Estudos Cinematográficos Richard Peña, da Universidade de Columbia, em uma das conversas após as exibições de filmes da mostra árabe no Cinusp – a seleção de filmes traça um panorama cultural variado.

Durante uma semana, Peña, se encarregou de esmiuçar os cinemas egípcio, sírio, palestino, tunisiano e outras particularidades. Apesar da língua comum, cada país configurou-se em momentos políticos e socioeconômicos particulares. Por isso, a produção artística exprime a individualidade e generalizar a produção seria irresponsável.

As distinções evitam visões pré-definidas a respeito da cultura e do cinema. Enquanto ocidentais, é difícil dissociar o mundo árabe da imagem estigmatizada que Edward Said define enquanto “orientalista”. Para Said, criamos estereótipos a respeito da cultura Oriental (particularmente sobre o mundo árabe), mas também construímos uma relação de poder, em que o Ocidente estaria acima e à frente.

Não é barbárie, é civilização

Os filmes escolhidos pelo Cinusp não pretendem esconder ou limitar a visão de questões que, para nós, podem ser dramáticas. O que a mostra faz com sucesso, é dar espaço para uma percepção mais profunda. Com o complemento das aulas dadas após a exibição dos filmes, nos distanciamos dessa visão que coloca o mundo árabe enquanto barbárie.

Um exemplo é “Os silêncios do palácio” (Tunísia, 1994), que relata a dinâmica de um palácio tunisiano, retratando as normas e relações internas entre homens e mulheres, entre gerações distintas, classe social.

As relações familiares é um dos principais temas de “Os silêncios do palácio”. Foto: Reprodução

Além de expor as contradições, mostra a sociedade tunisiana em ambientes tradicionais e em suas particularidades. O pano de fundo é a luta pela independência da França e, apesar desse não ser o fio condutor da narrativa, retoma o processo de consolidação do estado da Tunísia.

No filme palaciano, a paixão de Alia pelo instrumento e uso da voz, as transições geracionais e os preceitos aos quais sua mãe se submete contribuem para a narrativa crítica. A religião, que muitas vezes é protagonista, está longe do centro da produção. Isso ajuda a enxergar o filme a partir de um outro viés: a construção estética e a presença da sonoridade são fundamentais para a riqueza do longa.

O Cinusp acerta em explicar cada filme pelas particularidades, mas escolhidos do ponto de vista da diversidade de visões. A mostra tem mais uma semana, com exibições na Cidade Universitária às 16h e 19h, e na Rua Maria Antônia aos finais de semana, às 18h e 20h.