Não é preguiça, nem descaso

Necessidades específicas de aprendizagem trazem empecilhos para universitários

Por Júlia Mayumi

Orlando Bloom, Jim Carrey e Kiera Knightley. O que os três têm em comum? São atores famosos, ganham rios de dinheiro e são brancos. Mas além disso, os três têm necessidades específicas de aprendizagem – foram diagnosticados com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção).

Isso significa que, em graus variados, eles têm dificuldade de se concentrar em uma determinada situação por muito tempo. Augusto Galery, professor da FECAP e pós-doutorando em Psicologia Social pelo IP-USP, frisa que parte importante do diagnóstico é que esse fator precisa causar sofrimento à pessoa para ser percebido, mas nem todo mundo que passa por isso necessariamente tem TDAH.

Helena (nome fictício) faz Publicidade na ECA-USP e foi diagnosticada com TDAH logo na fase de alfabetização. Para ela, é importante que os professores se mostrem dispostos a ajudar. “Eu acredito que o aluno precisa sentir segurança em poder falar sobre a condição dele sem ser visto com um olhar de pena, dó ou de incapacidade”.

Para se adaptar à faculdade, Helena conta que precisou criar um esquema próprio de organização. “Na universidade os professores se preocupam em seguir o calendário a risca sem se importar com as limitações dos alunos”.

O pedido de anonimato feito por Helena à reportagem evidencia o estigma carregado por pessoas com transtornos. O professor Augusto deixa claro que condições como TDAH têm um forte cunho social e seus efeitos se relacionam com as expectativas que a sociedade coloca nos indivíduos.

Disfunções como autismo, por outro lado, são muito influenciadas por fatores biológicos e são individualizadas. Além disso, ao contrário do espectro autista, transtornos de atenção podem apresentar melhora em mudanças apropriadas de ambiente.

Inclusão

Galery explica que, nos estudos de educação inclusiva, parte-se da ideia de que, ao invés de tentar encaixar os estudantes em um padrão, é necessário que os alunos sejam ativos na construção de seu aprendizado. Dessa forma, necessidades específicas não devem ser a exceção no tratamento em sala de aula, uma vez que ele precisa ser individualizado; a didática recorrente – exposições de 50 minutos sem interação – é ineficiente, inclusive, para alunos que não possuem nenhum tipo de transtorno.

As dificuldades começam na fase pré-escolar e chegam até o ensino superior. Drica Marcelino estuda Jornalismo na ECA-USP e, além de TDAH, sofre de ansiedade. Ela conta que os professores não têm paciência para repetir o conteúdo e que a presença de monitores daria mais suporte para as aulas, tanto para alunos com dificuldade, como ela, quanto para aqueles que desejam se aprofundar.

Para Galery, os alunos tendem a se abrir mais para monitores, graças à ausência de relação hierárquica. Os professores, via de regra, não sabem lidar com estudantes que não seguem o padrão esperado. “Não há treinamento para os professores. A educação especial aparece como uma eletiva nas grades de licenciatura, quando precisaria ser uma disciplina transversal (aprender didática já de uma forma inclusiva)”. Galery aponta que os docentes precisam entender que o lugar do estudante é dentro da sala de aula, independente de se encaixar ou não nas expectativas dos docentes.

 

 

Você conhece o colega do lado?

Alunos autistas relatam dificuldades no dia a dia do convívio na Universidade

Por Jasmine Olga

Todos os anos, a Universidade de São Paulo (USP) recebe mais de 8 mil novos alunos. De diferentes contextos, vivências e cores, o uspiano vive situações semelhantes, como aulas barulhentas, trabalhos em grupos ou interações online, que podem parecer tarefas simples para a maior parte dos estudantes. Mas não são para todos.

Rafaela e Gabriel são alguns desses alunos. Uspianos, assim como eu e você, eles são alguns dos autistas brasileiros, ou que estão no espectro autista. Conversei com eles procurando ver a USP por seus olhos e questionando: afinal, o que podemos fazer para transformar o ambiente acadêmico em um local de compreensão e cooperação?

Diálogo possível

A maior dificuldade é que a curva de aprendizagem de quem tá no espectro geralmente é muito diferente de quem não tá no espectro, sabe? Os professores geralmente precisam de meia hora pra explicar um conceito que alguém no espectro precisa, na pior das hipóteses, de dois minutos pra entender.”

Os recursos visuais utilizados, muitas vezes mobilizados com a melhor das intenções, não ajudam Rafaela, estudante da ECA, na compreensão do conteúdo. “Apresentações cheias de informação, brilhantes, às vezes com som… Pessoas no espectro trabalham de maneira mais optimal: com explicações sucintas e informação visual disposta de maneira limpa. Isso vai numa tangente do que os professores usam na ECA”.

Aulas com um grande número de estudantes também se tornam um problema para a concentração da aluna. “As aulas com vários cursos são um verdadeiro inferno. Principalmente quando o professor passa debate para tentar fazer com que todo mundo entenda junto. Fico em turmas que por vezes tem oitenta pessoas, então o máximo que eu sinto que posso pedir é um pouco de compreensão, sabe?”

Além da aula

Para Gabriel, o que pesa nos relacionamentos são as interações online. Na FFLCH, onde frequenta o curso de Letras, é comum que decisões e discussões sejam feitas em grupos online do Facebook, com milhares de estudantes, o que já rendeu diversas situações constrangedoras.

“Tenho dificuldade em expressar meus pensamentos de maneira clara, especialmente online. Pode acontecer das coisas saírem estranhas ou parecerem um confronto. Quando as discussões começam a ficar grandes, você fala algo estranho e surgem vinte pessoas para fazer piada com você. Te dizer como você está errado. Ironizar algo que você disse. Meu cérebro não está preparado para lidar com ironia e retórica”.

Sobre compartilhar o seu diagnóstico com colegas, Gabriel é direto: as pessoas não sabem o que ser autista significa. “Já fui acusado de ser diagnosticado por Google muitas vezes, como forma de me invalidar. Como se eu estivesse fingindo para conseguir simpatia”.

Mudanças? Para o estudante, o problema é sistêmico e só poderá ser resolvido pelas próximas gerações: “Essa semana você postou procurando pessoas para discutir sobre essas questões específicas e nos encontramos. Acho que esse é o caminho certo. Mesmo sem saber exatamente como estamos andando. Só queria pedir que as pessoas apoiassem os coletivos neurodivergentes”.

Arte: Laura Barrio